por Da Quebrada Pro Mundo com Alexandre Ribeiro

 

No passo que a vida dança outra década se foi. Ressoando sensações pelo ar, transmitindo saudade daquilo que a gente nem viveu. Juntos, pontos-finais também formam recomeços. E, para celebrar esses ciclos, o que temos de mais florido são nossas memórias. O amor em cada passo.

Com esse tom nostálgico-do-hoje eu finalmente explico: como é possível um moleque “colorido”, favelado e iletrado ganhar uma bolsa para viver na Alemanha? A resposta está nas raízes: “Ich liebe dich”. É como se diz “Eu amo você” em alemão.

#DaQuebradaProMundo é, antes de tudo, uma história de amor.

Tenho a impressão de que vivo um sonho constante. Três anos atrás conheci a minha poesia favorita. Essa estrela pulsante da foto acima, Jessica Küttner. Uma história tão, mas tão complexa que por si só merecia um livro (espere aí que eu já conto). Desde então, a cada dia aconteceram as coisas mais magníficas da minha vida. Eu só posso mesmo é estar sonhando.

Entre nós, considero que somos embaixadores das Nações Unidas. Ela, uma atípica alemã filha da mistura. Eu, um atípico brasileiro filho da revolução. Juntos temos a responsabilidade diplomática de entender as diferenças e, diferentemente do que o mundo prega, semear o amor por aí.

Nós nos conhecemos por acaso em uma ilha paradisíaca. Nós nos encontramos nas dores do mundo que carregamos nos olhos. Três anos atrás, eu estava longe de casa, mas ainda em minha terra. Hoje, o poder do amor me atravessou – e me fez atravessar o mundo. Não há paralisia que o amor não movimente. Da Favela da Torre até Hamburgo, na Alemanha. Foi o brilho nos olhos que construiu essa ponte. Foi o amor que venceu os 14 mil quilômetros de distância.

Tudo começou em setembro de 2016, quando decidi tirar as minhas primeiras férias da vida – que, por si só, já falam mais do que muitos trabalhos acadêmicos sobre a mais-valia. Com recém-completados 18 anos, trabalhando sem parar desde os 12. Até aí tudo normal para o padrão de um favelado. Mas o que me distingue é que sou desenrolado. Naquele mês, pela primeira vez na história da minha família, alguém conseguiu juntar 600 reais (depois de pagar “os boleto tudo”). Não me contentei com esse fato histórico e meti o louco: resolvi celebrar com uma viagem de última hora.

E parece que tudo tinha de ser mesmo. Juntei-me com meu melhor amigo, Rafael, e encontramos uma passagem de São Paulo a Salvador por 200 reais. O motivo do preço baixo? O voo era em um 11 de setembro. Não pensamos nem duas vezes. Peguei o cartão de crédito da minha coroa – aqueles cartões de supermercado atacadista, sabe? – e tentei comprar. Mas é claro que não passou. Minha mãe está devendo tanto nesse cartão que a transação foi negada com o site me mandando uma risada por e-mail.

Todo dia é difícil ser pobre. Mas nessas horas é mais puxado. Quando você está buscando um pouco de dignidade humana, de bem-estar, e fica à mercê da aceitação de alguém. Por causa disso, cometi a pior tortura dos tempos modernos e fui pedir emprestado o cartão de crédito da minha ex-chefe. Sinto angústia só de lembrar a humilhação. Mas no final deu tudo certo.

Descolamos uma hospedagem barata e chegamos a Salvador com o saldo positivo de 300 reais para gastar em 13 dias. Comparando aos meus padrões de vida, estava quase milionário.

Mas-porém-entretanto-todavia, fica aqui a pergunta: quantos dias você acha que esse dinheiro durou? Por causa da cachaça Gabriela Cravo e Canela, acho que no máximo uns cinco.

Depois disso, minha conta inaugurou o cheque especial e a gente estava sobrevivendo pedindo carona para todos os tipos de transporte, até mesmo os barcos. E foi a minha “maloqueiragem” que me levou até ela.

Era uma terça-feira ensolarada, e resolvemos ir ao porto de Salvador para ver se descolávamos uma carona. E a gente descolou. Cruzamos até a Ilha de Itaparica em um barco cargueiro de pesca, infestado de um perfume romântico: uma mistura de peixe com diesel.

Se tudo estivesse certo, não teria graça. Foi meu caminho errado que me trouxe até aqui.

Quando chegamos à ilha, estávamos muito longe de qualquer praia paradisíaca. Tivemos de, mais uma vez, pedir carona no centro da cidade. Uma, duas, três... até a sétima tentativa, um Fiat Doblò que levava um grupo de senhoras brancas. Elas eram da Região Nordeste e, com o sotaque aflorado que eu amo, deixaram bem claro para o motorista: “A gente não quer esses meninos no carro, eles vão roubar a gente”.

Depois que eu e o Rafa ouvimos aquilo, nem cogitamos a possibilidade de entrar no veículo. Nem pagando. O que a gente não esperava era um motorista-ativista. Ele firmou os pés no chão contra a atitude das senhoras e enfiou a gente no porta-malas do carro. Tinha como dizer não?

Dividindo o espaço com as malas e com o meu irmão, não conseguia ver direito onde estávamos. O carro acelerava e, na minha visão periférica, em todos os sentidos, só havia um verde cintilante. O trajeto demorou tanto, mas tanto que a única coisa que eu pensava era: quem vai acabar roubando a gente são essas senhoras. Só que nós chegamos lá.

O que aconteceu em seguida pode ser lido, em primeira mão, no livro que estou escrevendo, que leva o nome desta coluna: Da Quebrada pro Mundo. Com uma mistura de humor e poesia, a ideia do projeto é justamente contar nossa história de amor. Entre Alexandre e Jéssica, entre Brasil e Alemanha, entre Áfricas. E, principalmente, revelar todos os desafios que enfrentamos para chegar aqui. Tudo na vida é sobre o amor, a presença ou a falta dele.

Clique aqui para ler um trecho do livro.

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