por Juliana Ribeiro

 

A série Festas populares do Brasil, do Itaú Cultural (IC), destaca a diversidade, a cultura e a tradição das celebrações típicas do país. Nesta edição, Juliana Ribeiro escreve sobre a Folia de Reis.

Terno de Folia de Reis se apresentando em uma residência. Na imagem, os integrantes aparecem tocando instrumentos e cantando.
A Folia de Reis passa de casa em casa do dia 24 de dezembro até 6 de janeiro (imagem: Elza Andrade)

É na noite de Natal que se iniciam as celebrações do nascimento de Jesus e a devoção aos Santos Reis. Comemorada de modo particular em cada região do Brasil, a Folia de Reis, também conhecida como reisado, é uma manifestação religiosa, católica e cultural com influências de origem europeia, mas que, por aqui, ganhou formas e expressões locais, seja nas danças, nos cantos ou nas rezas.

Em São José de Alto Belo, distrito de Bocaiuva (MG), não é diferente. Há 41 anos, a Folia de Reis do local segue a tradição de passar de casa em casa do dia 24 de dezembro até 6 de janeiro, representando o tempo de andança dos Três Reis Magos. Ao som de instrumentos como violões, rabecas, pandeiros e violas caipiras, os foliões cantam e dançam nos lugares que percorrem. 

“A Folia de Reis é um grupo folclórico religioso cuja missão é louvar e adorar o nascimento do Menino Jesus. Todo folião é devoto dos Santos Reis. Não é por vaidade, não é por status, é peregrinação e devoção mesmo”, explica o cantor e compositor Antônio Carlos de Souza Gomes, conhecido como Valdo, integrante do Terno de Alto Belo há 39 anos.

A rotina dos participantes do grupo neste período do ano é corrida, já que foliam durante toda a noite e aproveitam o dia para dormir. Seja com chuva ou com frio, em lugares próximos ou mais distantes, todo ano eles cumprem a missão de manter essa tradição viva. “Normalmente a gente termina o giro às 4 horas da manhã, outras às 5, 6 horas. Algumas vezes a gente amanhece o dia e, ao chegar à última casa, os moradores nos dão pouso. Mas aqui em Alto Belo temos a ‘casa da folia’, onde ficamos neste período, então geralmente o pouso é por aqui mesmo”, conta Valdo.

De geração em geração

A tradição na região norte-mineira costuma ser passada de geração em geração. Folião desde menino, o músico diz que o desejo de participar da folia está no sangue e foi herdado do pai, Eurípedes, que lhe deu a missão de substituí-lo quando ainda era muito jovem. Com apenas 8 anos de idade, Valdo costumava ir na garupa do cavalo do patriarca para foliar.

Um homem de boné, camisa e óculos de grau está sentando em um banco de madeira. Nas paredes do local há fotos e quadros.
Cantor e compositor, Valdo herdou do pai o desejo de ser folião (imagem: Juliana Ribeiro)

“Eu já fazia algumas coisas na folia, já cantava. Depois, comecei a tocar alguns instrumentos e, por incrível que pareça, quando eu tinha 14 anos meu pai adoeceu e me falou: ‘Você vai tocar folia neste ano’. Peguei o cargo de mestre para dar continuidade à folia porque já estava marcada a Festa de Reis, daí a gente foi até o dia 6 de janeiro e fez a festa. Eu, com 14 anos, conduzindo um grupo que tinha senhores de 60, 70 anos. Isso é um dom de Deus, parece que é uma missão que a gente tem”, afirma.

Após a morte do pai e alguns anos sem foliar, Valdo e o irmão, Vael, conheceram o cantador e compositor popular Téo Azevedo, que os convidou para participar do Terno de Alto Belo, idealizado por ele e considerado um dos mais autênticos de Minas Gerais. Assim como o amigo Valdo, o artista também começou a acompanhar a folia bem cedo, lá pelos 4, 5 anos de idade, com o pai. “Aonde ele ia, me levava. Eu ficava olhando-os tocar”, diz Téo.

Um homem de camisa, bermuda e chapéu, posa com as mãos nos bolsos em um espaço com diversos objetos e quadros.
Cantador popular e vencedor do Grammy Latino, Teo Azevedo celebra os 41 anos da Folia de Reis de Alto Belo (imagem: Rodrigo Araújo)

Vencedor do Grammy Latino em 2013 pelo disco Salve Gonzagão, 100 anos, ele transformou a festa da folia em um grande evento, com duração de três dias e diversas atrações que trazem visitantes de vários lugares do mundo. “Isso é uma coisa que a gente faz porque gosta. Tive a ideia de envolver a religião católica com a cultura popular, a mistura deu certo e o povo vem. Chove todo ano, mas mesmo com chuva [o evento] nunca deixou de existir. O povo vem de tudo que é lado”, destaca.

No início, a festa de Santos Reis, celebrada no dia 6 de janeiro, era realizada na casa dos festeiros, em apenas um dia. Com o aumento do número de pessoas, Téo teve a ideia de fazer ao ar livre, na rua. “Como é que a gente vai preencher o dia só com cantigas de reis? Daí falei: ‘Vamos inventar algumas coisas’. E fui inventando brincadeiras, como a corrida de jegue, de porco, de cachorro, a corrida de costas, de carrinho de mão, o concurso de melhor mentiroso, de chupar limão sem fazer careta. Fomos inventando e foi dando certo”, afirma.

Avenida de Alto Belo com muitas pessoas circulando durante festa de Reis.
Festa da Folia de Reis de Alto Belo (imagem: Divulgação)

“Fura-saco” de carteirinha

“Ô de casa, abre a porta, vamos rematar a verso, saudamos o Menino Deus, ele é o rei do universo”, canta a pedagoga Gracielle Andrade ao relembrar os momentos especiais que viveu nos giros (rotas) da Folia de Reis. Ela é uma autêntica “fura-saco” – nome dado às pessoas que costumam acompanhar os foliões. “Eu amava passear de casa em casa, principalmente na roça, em tempos de chuva e lama. Era rio transbordando, gente escorregando na lama, outras caindo em buracos, carro atolando… Ah! Como eu amava tudo isso”, diz.

Ela conta que, no início, era pura diversão, mas com o passar do tempo foi entendendo a religiosidade e a importância da folia. “Minha mãe, minha irmã e eu somos fura-saco até os dias atuais. Ser fura-saco é você admirar a folia e cantar com os foliões, é dançar lundu e arriscar um catira. É decorar o trajeto e o prato mais gostoso de cada casa. É se emocionar quando, no canto final, os donos da casa jogam flores nos foliões e na bandeira dos três reis”, relata.

Para a pedagoga, a Folia de Reis é religiosidade e cultura. É rememorar a jornada dos três reis magos. É encontro, reencontro, partilha, amizade. Mas, acima de tudo, é amor e saudação ao nascimento do filho de Deus, Jesus. “Manter essa tradição viva é manter viva a alegria do nascimento de Cristo, é celebrar o amor de casa em casa, é anunciação”, conclui.

Veja também