por Luísa Pécora

 

Embalada pelo clima de retrospectiva que marca o fim do ano, começo esta coluna com uma pergunta: a quantos curtas-metragens você assistiu em 2022?

Mesmo quem se considera cinéfilo pode encontrar certa dificuldade para ver curtas fora dos festivais, já que esses filmes não seguem o modelo tradicional de distribuição – ou seja, não estreiam nas salas de cinema, como é o caso dos longas-metragens. Mas o aspecto menos “comercial” dessas obras não as torna menos interessantes: para cineastas jovens ou experientes, o curta representa um importante espaço de experimentação e a oportunidade de contar uma boa história e impactar o público em menos de 30 minutos.

Muitos dos filmes nacionais que ficaram na minha memória em anos recentes são curtas-metragens, e por isso comemorei a inclusão desse formato no catálogo da Itaú Cultural Play. É mais uma forma de essas produções chegarem ao público: por streaming e gratuitamente.

Abaixo, selecionei dez filmes disponíveis na plataforma que foram dirigidos por mulheres – e que trazem uma nova pergunta: a quantos curtas-metragens você vai assistir em 2023?

Chacal

Dirigido por Marja Calafange – Paraná, 2020

Muitos curtas brasileiros têm explorado gêneros como suspense, horror e fantasia, incluindo este de Marja Calafante, que foi premiado no Cinefantasy – festival internacional de cinema fantástico. No filme, uma mulher idosa é tomada pela sensação de que sua morte é iminente. Ela, então, deixa sua casa sem se despedir da família e se isola em uma floresta, na tentativa de se integrar completamente à natureza. Destaque para a imagem final, poética e muito bonita, e para a atuação da protagonista Thaia Perez.

Frame do curta Chacal, o qual mostra uma pessoa de costas, em um cenário escuro e no meio de árvores.
Chacal (imagem: divulgação)

Contraturno

Dirigido por Larissa Fernandes e Deivid Mendonça – Goiás, 2022

A evasão escolar é uma das mais graves consequências da covid-19 no Brasil: além da profunda desigualdade no acesso ao ensino remoto, a queda na renda familiar forçou muitos estudantes a ter de trabalhar. Para registrar esse cenário desafiador, o curta acompanha dois jovens de Urutaí, em Goiás, no momento em que voltarão a frequentar aulas presenciais após 12 meses de ensino remoto. Ao retratar a rotina dos estudantes, o filme mostra as dificuldades de conciliar trabalho e estudo e a nova realidade de alunos e professores.

Fartura

Dirigido por Yasmin Thayná – Rio de Janeiro, 2019

Yasmin Thayná é conhecida principalmente por Kbela (2015), um marco do novo cinema brasileiro e das discussões sobre gênero e raça no audiovisual. Mas seu curta seguinte, Fartura, merece igual atenção. Analisando fotos de sua família e de outras famílias negras da periferia do Rio de Janeiro, a diretora notou que muitas das imagens mostravam mesas postas e reuniões familiares em torno da comida. A partir desses registros, o filme reflete sobre como o alimento pode estar relacionado a afeto, religião, memória e às lutas pessoais e coletivas.

Mãtãnãg, a encantada

Dirigido por Shawara Maxakali e Charles Bicalho – Minas Gerais, 2019

Um dos destaques do catálogo da Itaú Cultural Play é a curadoria de curtas e longas-metragens realizados por cineastas indígenas. Essa rica produção audiovisual também inclui a animação, como no caso desta premiada obra de Shawara Maxakali e Charles Bicalho. Produzido na Aldeia Verde, em Ladainha (MG), o filme é falado em maxakali e inspirado na tradicional história de Mãtãnãg, uma mulher indígena que, movida por um grande amor, segue o espírito do marido até o mundo dos mortos.

Frame da animação Mãtãnãg, o qual mostra uma mulher indígena e uma floresta atrás dela.
Mãtãnãg, a encantada (imagem: divulgação)

Noirblue – deslocamentos de uma dança

Dirigido por Ana Pi – Minas Gerais, 2018

Uma coreografia serve de fio condutor para este filme-performance realizado pela cineasta, bailarina, pesquisadora e coreógrafa Ana Pi. Durante uma viagem por diferentes países da África Subsaariana (Níger, Burkina Faso, Mali, Nigéria, Angola, Guiné Equatorial, Costa do Marfim e Mauritânia), Ana trocou conhecimento com moradores locais, especialmente outros dançarinos. O curta registra essa jornada, provocando uma potente reflexão sobre memória, origem, ancestralidade, racismo, deslocamento e pertencimento.

Frame do curta-metragem Noirblue, o qual mostra uma pessoa negra dançando em um espaço ao ar livre. A pessoa está com uma roupa escura, cobrindo seu rosto. Ao lado dela um rapaz negro, sem camiseta, passa andando de moto ao seu lado.
Noirblue (imagem: divulgação)

O duplo

Dirigido por Juliana Rojas – São Paulo, 2012

Exibido na Semana da crítica do Festival de Cannes, O duplo é um dos melhores trabalhos da diretora Juliana Rojas, importante nome do cinema brasileiro de gênero. O filme aborda o conceito de doppelgänger, ou duplo, a partir de um estranho episódio: durante uma aula de matemática, os alunos da professora Silvia veem uma mulher idêntica a ela do lado de fora da sala de aula. A protagonista é Sabrina Greve, ganhadora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Gramado.

Frame do curta-metragem O duplo, o qual mostra uma mulher branca em uma mesa num ambiente em sala de aula.
O duplo (imagem: divulgação)

Pattaki

Dirigido por Everlane Moraes – Bahia, 2019

Foi no curso de direção de documentário na Escola Internacional de Cinema e Televisão de Cuba (EICTV) que a cineasta Everlane Moraes viu seu interesse pelo cinema experimental se fortalecer e se desenvolver. E foi também na EICTV que ela realizou Pattaki, um de seus mais importantes curtas, exibido no Festival de Sundance. O filme se passa em uma noite escura na cidade de Havana, na qual a água está por toda parte e os habitantes sentem a presença de Iemanjá, a deusa do mar.

Frame do curta Pattaki, o qual mostra uma pessoa em frente a uma janela, com uma máscara de peixe na cabeça.
Pattaki (imagem: divulgação)

República

Dirigido por Grace Passô – São Paulo, 2020

Grace Passô já tinha longa carreira no teatro antes de estrear no cinema, primeiro como atriz e depois como roteirista e diretora. Não demorou para que deixasse sua marca também nas telas – e República, em especial, talvez seja o mais importante filme brasileiro feito durante a pandemia. Realizado na primeira fase do isolamento social, a convite do Instituto Moreira Salles (IMS), o curta se passa em 2020, durante a era de covid-19, quando uma mulher é acordada por um telefonema e uma notícia inesperada: o Brasil é um sonho. Grace assumiu as funções de diretora, roteirista e atriz, enquanto Wilssa Esser fez fotografia, som e montagem.

Sem asas

Dirigido por Renata Martins – São Paulo, 2018

Se República dialogou com a realidade brasileira durante a pandemia, Sem asas, de Renata Martins, soube capturar o impacto da violência policial no cotidiano dos jovens negros e suas famílias. Kaik Pereira interpreta o estudante Zu, que vive na periferia de São Paulo com o pai (Melvin Santhana) e a mãe (Grace Passô). A pedido dela, Zu vai a uma loja do bairro comprar farinha de trigo. E o que deveria ser um ato corriqueiro torna-se muito mais do que isso depois de um encontro com a polícia. Ganhador do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de Melhor Curta de Ficção.

Frame do curta Sem asas, o qual mostra um menino negro, com o rosto pintado de branco.
Sem asas (imagem: divulgação)

Utopia

Dirigido por Rayane Penha – Amapá, 2021

Em 2017, a diretora Rayane Penha realizava um filme de ficção quando seu pai, que era garimpeiro, sofreu um acidente de trabalho e morreu. Em meio ao luto, a cineasta decidiu fazer um documentário que recuperasse histórias do pai e, ao mesmo tempo, lançasse luz sobre a vida das comunidades garimpeiras. O resultado é um curta-metragem extremamente pessoal, que combina entrevistas, fotos, cartas, perfomances e filmagens em dois garimpos do Amapá – um deles o Vila Nova, em Porto Grande, onde a própria diretora viveu até os 10 anos.

Frame do curta-metragem Utopia, o qual mostra uma mulher negra coberta de terra e com o corpo nú.
Utopia (imagem: divulgação)
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