por Da Quebrada Pro Mundo com Alexandre Ribeiro

 

No dia 24 de março de 2019, na Fábrica de Cultura do Capão Redondo, São Paulo (SP), aconteceu a primeira edição da Perifacon, a Comic Con da favela. E eu, Alexandre Ribeiro, fui um dos expositores do Beco dos Artistas. Por causa disso, é mais que necessário compartilhar meu olhar sobre essa revolução. Aliás, você já viu a juventude preta fazendo história hoje?

Em março de 2019 aconteceu a primeira edição da Perifacon, a Comic Con da favela (imagem: divulgação)

Um dia desses eu estava andando pela Avenida Paulista, tentando vender meus livros. Já no final da avenida, encontrei um grupo de 50 pessoas. Todas elas em volta de dez moleques, quase da minha idade, que dançavam e interpretavam sons de K-pop (música popular coreana). De longe, fiquei observando e admirando aquela diversidade. Uma parada bem específica, porém, me chamou a atenção. Todos os artistas estavam com um objeto preto grudado no rosto. Ao me aproximar, consegui identificar: era uma cópia de microfone auricular – desses que ficam apoiados na orelha e param do lado da bochecha, sabe? E o mais genial disso tudo: os microfones eram um tubinho de plástico com uma bola de fita isolante na ponta. Aquela cena grifou em meus olhos o segredo que nos mantém vivos até hoje. A criatividade da nerdzinha e do nerdzinho morador de favela.

Quando a gente era moleque, só precisava de uma bacia e duas tampinhas de detergente para ter uma arena de Beyblade*. Enquanto no Yu-Gi-Oh!** a gente via coisas místicas, criava pela rua a nossa magia, batendo cards com a mão em curva e aplicando física na prática. A pobreza e a nerdice, aliadas, eram nossas armas que mais causavam dano no sistema. Esse foi nosso superpoder: não virar estatística.

E foi no momento que me vi ali – às 15h36 e sem respirar desde às 10h, atendendo ao público – que essa epifania me veio. Estar no meio daquele sonho era fazer parte de uma revolução. Um mundo onde nossa criatividade é usada em prol do coletivo. A revolução onde os favelados têm poder! Não os superpoderes dos quadrinhos que a gente tanto ama, mas o poder social mesmo. De conhecimento, de influência, de compra. Poder usufruir do mesmo tipo de evento que só um jovem de classe média teria acesso. Consumir cultura e dialogar com propriedade, horizontalidade. No sentido mais pleno de nossa realeza.

Foi na Perifacon que, pela primeira vez, eu vi mulheres negras no comando de um evento. Foi lá que vi jovens pretos sorrindo, se sentindo representados. Na Perifacon encontrei histórias que dialogam com nosso povo. Teve oficinas, bate-papos, jogos e tanta, tanta coisa linda que não consegui ver tudo. E o melhor: tudo de graça! Nem nos meus melhores sonhos eu imaginaria um evento tão rico e tão potente.

Em tom de gratidão deixo aqui uma Saudação Vulcana*** e os mais sinceros desejos: vida longa e próspera, Perifacon. Vocês fizeram história!

 

 

* Beyblade é uma série de mangá assinada por Takao Aoki; há também um brinquedo de mesmo nome, inspirado em um pião japonês. 

**Yu-Gi-Oh! é uma série de mangá sobre jogos criada por Kakuzi Takahashi.

***A Saudação Vulcana é um gesto feito com as mãos, popularizado pela série Jornada nas Estrelas, na década de 1960.  A palma da mão é levantada em forma de aceno, o polegar é estendido e os quatro dedos restantes da mão se separam, ficando dois para cada lado.

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