por Nayra Lays

 

Comecei este projeto perguntando: “Em quais mãos seguramos para atravessar quando crescemos?”, numa busca por acalanto através do encontro. Eu, que luto contra o hábito do isolamento quando tenho medo do mundo, senti que pela junção de palavras, histórias e pessoas, seriam formados elos de inspiração e troca dos quais sabia que precisaria em um ano tão caótico.

A ideia da coluna Travessias é simples, mas não é fácil: escrever sobre trajetórias de pessoas que inspiram outras pessoas, mantendo a sensibilidade aos detalhes e exercitando o olhar da pesquisa atenta, não da análise, sobre o outro.

Travessias me ensinou que caminho é caminho e ponto (imagem: @rhaykwon, arquivo pessoal)

De São Caetano ao pé da Serra da Cantareira, a cada atravessar desta cidade imensa e demorada, eu me dei o presente de ouvir e depois transformar toda prosa, que também é música, em poemas escritos. Como todo encontro nos modifica, cada uma das travessias me ensinou algo, mas em resumo sinto que todas as experiências me mostraram a beleza de firmar em si as próprias verdades, que só se estabelecem quando conhecemos nossa história. Esse, aliás, é um dos pontos chave para a abertura dos caminhos, viu? Quando nos conhecemos, até vamos mudar de lugar, ordem e prioridade nossas verdades, mas nunca, jamais, daremos ao mundo o poder de questioná-las. Quando assumimos para nós o que temos a mostrar, com respeito ao que já somos no agora, curamos pouco a pouco a nós e aos outros também, e acessamos o outro lado do medo, onde está a vida, imensa, nos dizendo: “eu disse que do chão não passava”.

Travessias me ensinou que caminho é caminho e ponto. Incerto muitas vezes, doloroso também, mas, ainda assim, valioso por ser único para cada um. Relembrar de onde se veio, contar processos criativos, compartilhar experiências e sonhos para o futuro, tudo isso é celebração e um jeito gostoso (e que a gente esquece) de bendizer o que há de vir. Quantas vezes voltei para casa após as entrevistas, pensando:

“Eu me (re)conheço em pessoas conscientemente grandiosas! Sou grandiosa também!”

A cura está aqui (imagem: Nayra Lays)

Senti a alegria e o alívio de segurar em mãos de gente que se movimenta, custe o que custar. Na música, na poesia, na política, nas artes visuais, na literatura, nos podcasts, em tudo há o movimento contínuo e peculiar de cada pessoa que descobriu que é correnteza.

Nesta última Travessias, portanto, quero finalizar como sempre: agradecendo. Pela generosidade do partilhar um pouco do que já se viu e ouviu por aqui e por ser recebida nas memórias, nos sonhos, nas casas, nos trabalhos, nos refúgios e nos lugares preferidos de quem me inspira. Que honra! Pela chance de ver um pouco do que há do lado de dentro de quem vive fora de mim, com mais da fé que agradece por existir mais gente que também tem fé. Agradeço a você que acompanhou cada encontro e te convido para atravessar histórias de quem te inspira, numa tardezinha qualquer de café ou parque, sem necessitar de grandes ocasiões. É preciso só um bocado de horas alheias ao tempo do relógio, que esquece que somos mesmo é mar. Ah, que tenhamos paciência nas descobertas de nossos mistérios profundos. E que sigamos. Juntes e sempre.

Boas travessias para nós. Obrigada, 2019.

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