por Da Quebrada Pro Mundo com Alexandre Ribeiro
Este será um ano difícil. As decisões do inominável vieram para fechar portas e para exterminar os nossos. Não é brincadeira. Entretanto, enxergar as miudezas que nos cercam é uma possibilidade para transformar esse caminho.
Para desenvolver o pensamento é necessário conhecer o que Manoel de Barros escreveu:
“Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”.
Vasculhando estrelas no chão, descobrimos que das sobras também se faz banquete. A imagem do coração de um favelado é um fim de feira de domingo. Com muito trabalho e muito desperdício, a gente se encontra em tudo que já foi pisoteado, mas ainda dá pro gasto.
Os dias sofridos passam por nossa íris como relâmpagos cortam os céus. Lembrar dos dias sem mistura, lembrar da escola que a gente frequentava só para poder comer, lembrar de tudo aquilo que se foi. São das imensidões do sofrer que carregamos nosso grandioso aprendizado. Toda refeição é a melhor do mundo depois de comer “apresuntado”.
Ter sido uma criança pobre me entregou as magias de fazer o tudo com pouco. Mesmo que a palavra gratidão esteja saturada, eu agradeço os pães de sobra da padaria. Viraram torradas que ensinaram como transformar o passado. O futuro é oscilante, porém a criatividade agradece o valor da falta. Essa força motriz que carregamos no peito. Essa que nos move. Da falta de oportunidade nascem nossas gambiarras. São os vazios que nos fazem inteiros.
Quando eu falo em agradecer, não é por simplesmente ser inocente e ignorar toda a maldade que está em nossa volta. Falo de entender essa maldade que nos cerca e fazer a diferença com ela. Lembra da tensão das biqueiras? Então... Isso para nós nunca serviu para nada. Recarrega o coração na esperança e vai. Só munidos de paz é que venceremos esta guerra.
Não é sobre precisar sempre ser forte, mas em tempos como estes, sim, lembrar que para nós nunca foi fácil. Eles não podem nos tirar o brilho da vida ao comer um pão de queijo quentinho no terminal. Não podemos entregar de mão beijada a eles esse encantamento de vida que nos resta. Juntos nós vamos enfrentá-los.
Colha seus cacos e siga para a arena. A vida da nossa maneira nos fez calejados para essa maldade. O que nos resta é seguir o corre e, pelo menos desta vez, agradecer por ser exatamente do jeito que somos. Agradecer por ter nascido pobre.