por Zema Ribeiro
Em 1986, quando a mineira Titane lançou seu disco de estreia, o qual levava simplesmente seu nome, o baiano Xangai mergulhava no repertório de um conterrâneo, fato que resultou no disco Xangai Canta Cantigas, Incelenças, Puluxias e Tiranas de Elomar (Kuarup, 1986). Mais de 30 anos e cinco discos depois, é a vez de Titane dedicar um álbum inteiro à obra do compositor: Titane Canta Elomar – Na Estrada das Areias de Ouro.
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“Dedicar um disco todo à obra de um único compositor é novidade pra mim. Eu tenho, até aqui, feito discos e shows em que o contraste entre diferentes compositores é muito importante. Então, por um lado, nos meus shows há, por exemplo, um anônimo de Araçuaí, do Vale do Jequitinhonha, ao lado de um Tom Jobim, ao lado do Edvaldo Santana, que é um compositor do subúrbio paulistano”, ela comenta. “Sempre tive muita necessidade desses contrastes pra dizer ao mundo o que penso da vida, que é uma vida cheia de contradições, uma cultura brasileira cheia de muitas culturas, um dia a dia que eu tenho que me faz estar em estradas de terra e em grandes avenidas asfaltadas. Enfim, sou aquela intérprete que leva recado de um mundo pro outro. Tem sido assim.”
A cantora continua: “Agora, quis focar em um único autor e acho que fiz isso porque existe o Elomar. Ele me permite um recuo de espírito, lá pro fundo da alma humana, aquela alma que existe em todos os tempos, em todos os lugares, em diferentes culturas. Por isso, recuei pra esse mundo encantado do Elomar, que pra mim é o mundo da natureza humana no que ela tem de mais profundo. E não só profundo, mas inquieto, dolorido e cheio de beleza. Um mundo da natureza humana, onde o homem está sempre buscando entender o sentido da vida.”
Nas dez faixas do disco, Titane passeia por diversos aspectos do vasto universo “elomariano”. As escolhas levaram em conta suas preferências, a relevância e os pitacos do próprio compositor. “As primeiras canções do Elomar que sempre me chamaram atenção foram aquelas em que o Nordeste brasileiro está bem evidente. Logo, a primeira escolha foi pelas músicas nas quais o Nordeste se fizesse muito presente, inclusive ritmicamente. Os violeiros, os aboiadores, as mulheres firmes que vivem na seca”, conta a artista. “Depois, num segundo momento, que é a maneira como sinto muito o Elomar neste instante, são as canções que contam histórias de reis, cavaleiros, aventureiros, que me conectam com a nossa herança ibérica. Nunca tinha me debruçado sobre ela com tanta vontade. Até então meus discos, meu trabalho, investigavam muito a minha vida ligada ao mundo afro-brasileiro. E agora, com Elomar, caio de cabeça na cultura ibérica. A segunda temática das canções escolhidas é desse universo. E, em terceiro lugar, logo que conversamos sobre a possibilidade de gravar o repertório, ele nos mandou uma lista de sugestões. Então, incluí algumas dessas sugestões no disco.”
Titane Canta Elomar – Na Estrada das Areias de Ouro tem produção musical da cantora e de Kristoff Silva e direção musical deste com Hudson Lacerda. A artista é acompanhada por Hudson Lacerda (violões e charango), André Siqueira (bouzouki, viola de 14 cordas), Aloízio Horta (contrabaixo) e Kristoff Silva (marimba), além de contar com a participação especial de Pereira da Viola (voz em “Chula no Terreiro”) e Toninho Ferragutti (acordeom em “Corban”, “Na Estrada das Areias de Ouro” e “Clariô”).
Titane elogia: “Músicos todos inspiradores”. E acerta a conta: “Devo a decisão de gravar esse disco a dois músicos: primeiro ao Kristoff Silva, que tempos atrás falou pra mim: 'Titane, está na hora de você dedicar um disco a um autor e esse autor deve ser o Elomar'. Fiquei com isso em mente e, agora, na hora de gravar, convidei-o para produzir comigo. O segundo ser fantástico [risos] é Hudson Lacerda, que é um artista muito, muito, muito especial, um violonista privilegiado, virtuosístico, com uma formação acadêmica muito rigorosa, muito consistente, mas acima de tudo um grande músico brasileiro. Junto com o Kristoff Silva, ele foi um dos quatro violonistas que transcreveram para partituras a obra do Elomar. Dos quatro, o Hudson foi o que pegou o violão para conferir as partituras ao lado do Elomar. É um privilégio ouvi-lo tocando essas músicas”.
A cantora dedica o disco a seus conterrâneos Dércio [in memoriam] e Doroty Marques, grandes intérpretes da obra do baiano, sobre a qual a mineira joga novas luzes, com raro talento e sensibilidade.