por Um Por Todos - Tulipa Ruiz
Cresci no sul de Minas Gerais, com minha mãe e meu irmão, em uma cidadezinha chamada São Lourenço. Antes, vivíamos em São Paulo e a decisão de minha mãe de ir para Minas foi para ter uma vida mais saudável. São Lourenço era conhecida por ser a sede de uma escola filosófica chamada Eubiose, que estudava, entre muitas coisas, a transformação de energia em consciência. A escola também foi um dos motivos para minha mãe escolher morar ali.
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Na década anterior, Giberto Gil, por influência de seu amigo e mestre Walter Smetak, também teve empatia com os princípios da escola. Ao voltar do exílio, passou por São Lourenço para aprimorar seus estudos teosóficos no templo da Eubiose. Essa passagem transformou a vida da cidade, pois atraiu iniciados de todo o país. São Lourenço passou a ter uma parte da população interessada em novas alternativas para viver melhor em sociedade, como o ensino da pedagogia antroposófica nas escolas, o uso de terapias alternativas para tratamentos medicinais e a adoção de uma alimentação saudável, a partir do vegetarianismo, do veganismo, da macrobiótica e da agricultura biodinâmica e familiar.
O alimento é sagrado, dizia minha mãe. Até hoje me sinto mais espiritualizada quando a minha alimentação fica mais próxima da terra do que dos industrializados. Acho que tem a ver com esse mantra da infância. Na zona rural de São Lourenço existe uma comunidade chamada Mato Dentro, onde passei boa parte da minha adolescência. Eu e minha família temos muitos amigos ali. Os moradores do Mato Dentro plantam muito do que comem e buscam uma vida em comunidade mais consciente e harmonizada com a natureza. Ali aprendi outro mantra sagrado, que faço questão de verbalizar nos dias de hoje:
Terra que esses frutos deu
Sol, que os amadureceu
Nobre Terra
Nobre Sol
Jamais nos esqueceremos
Cantávamos isso em bando, de mãos dadas em volta da mesa, antes das refeições. Essa oração me nutria e me emocionava. Ela me conectava com a terra, com as pessoas que estavam ali comigo, com o alimento que estava na mesa e com quem o havia cozinhado amorosamente para a gente. Eu saía do piloto automático que eram as orações tradicionais e da dispersão total e clássica na hora de comer. Tenho muito carinho por essa memória e, toda vez que me sinto dispersa e endurecida, a alimentação natural e o respeito ao alimento me sensibilizam de alguma maneira.
Neste final de semana, cantei essa oração para as pessoas que estavam presentes na 18ª Jornada de Agroecologia do Paraná. Agroecologia é a prática de uma agricultura ambientalmente sustentável, economicamente eficiente e socialmente justa que agrega conhecimentos científicos aos saberes populares e ancestrais dos trabalhadores da terra. O encontro agroecológico no Paraná reuniu pessoas com pautas semelhantes àquelas que minha mãe e seus amigos buscavam quando foram para São Lourenço. O cuidado com a terra e com quem trabalha nela, o respeito ao alimento e a luta por uma alimentação saudável, livre de transgênicos e agrotóxicos.
A Jornada Agroecológica do Paraná é realizada anualmente por um conjunto diverso de organizações sociais, movimentos populares, universidades, pesquisadores e agricultores agroecológicos de todo o país. O encontro é um importante momento de contato e reafirmação da agroecologia como um outro projeto político, social, cultural e econômico da agricultura. É a ampliação do debate por uma vida mais saudável, em contraposição direta ao agronegócio, que visa apenas o lucro imediato, sem mensurar os impactos ambientais causados pela superexploração da natureza e o envenenamento da população por meio do consumo de alimentos contaminados por agrotóxicos. Que esse debate cresça cada vez mais na nossa sociedade, que o respeito pelo alimento comece no momento em que a semente é plantada, considere quem a plantou, quem vai colher o fruto e quem consumirá o alimento.
Nobre Terra, nobre Sol, jamais nos esqueceremos.