“Reaja à violência racial. Beije sua preta em praça pública”: essa é a estrofe de abertura do poema “Bandeira”, escrito pelo poeta Lande Onawale, que foi publicada na capa do jornal do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1991, acompanhada por uma foto do casal Lucimara Alves e Nelson Inocêncio em meio a um daqueles beijos de cinema. A imagem e os versos de afeto, crítica e impacto marcaram época e se tornaram um símbolo de resistência.

Capa do jornal do MNU em que se lê Beije sua preta em praça pública
Capa do jornal do MNU em que se lê "Beije sua preta em praça pública" (imagem: Acervo)


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A cineasta Camila de Moraes tinha apenas 4 anos quando o poema viralizou e só veio a conhecê-lo completo muitos anos depois, já adulta. Em 2018, ela procurou Onawale com a ideia de transformar o poema em um documentário sobre as relações afetivas de famílias negras brasileiras. No entanto, foi só agora, em 2021, que a obra audiovisual começou a sair do imaginário e ganhar corpo, graças ao patrocínio conquistado através do edital Rumos Itaú Cultural. “Ficamos meses, durante o ano de 2021, pesquisando e escrevendo o argumento do filme até chegarmos a esse processo final do roteiro”, explica Camila.

Foto de corpo inteiro da cineasta. ela está de vestido e casaco branco. Segura as abas do casaco e sorri, com uma postura extrovertida. Seus cabelos são trançados e caem sobre um ombro. Usa também um colar de contas vermelho e um grande brinco dourado com a palavra Negro.
A cineasta Camila de Moraes (imagem: Natasha Montier)

Com base nessa pesquisa, o documentário pretende abordar aspectos da vida afetiva de pessoas negras. Ao mesmo tempo que deseja mostrar diversos “tipos” de família negra e que conquistar e preservar uma família (ou relações de parentesco) tem sido um objetivo fundamental, o filme quer apresentar uma segunda narrativa: a história de um poema e da sua apropriação ao longo dos anos. “Costurando essas duas perspectivas, queremos também falar do trauma coletivo que foi a saída da África e a travessia até aqui. E como essas histórias revelam estratégias de sobrevivência física e emocional”, diz a diretora.

Vemos o poeta do peito para cima. É um homem negro, está sentado e olha para a câmera. Veste uma camisa listrada azul e cinza, tem cabelos trançados grisalhos e usa um óculos com armação vermelha.
O poeta Lande Onawale (imagem: Acervo pessoal)

“Trazer o ‘Beije sua preta em praça pública’ para o audiovisual”, comenta Onawale, “é abordar diversas perspectivas e camadas das nossas relações sociais, como o amor – dimensão da vida humana que o racismo trabalha diuturnamente para afastar de nós, povo preto. Inclusive, afastar-nos a partir da determinação sobre ‘o que’ e ‘como’ amar, sobre o que é amor. Não temos dúvida de que da nossa vida e alma pretas emergem noções e anseios afetivos que carregam as luzes do nosso modo de viver e ser, de nossas ancestralidades.” Ressalta o poeta, no filme o afeto estará em foco: “Sem romantizações da vida afetiva e familiar – mas, onde houver o romance, por que não mostrá-lo?”.

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Imagem em preto e branco. Nela, uma mulher negro segura um livro à altura do peito e o lê. Ela tem óculos grandes e angulosos. Com a outra mão, os ajusta no rosto.

Ativo 000000 | Responsa

Eu tomei a produção desta coluna como uma responsabilidade de relatar memórias, dores, reflexões, pensamentos e resistência. De falar em próprio nome. Em legítima defesa