por Ana Luiza Aguiar

O impacto e a preocupação iniciais causados pela pandemia de covid-19 foram relacionados à saúde física das pessoas, mas o prolongado período de isolamento social lançou luz sobre as doenças associadas à saúde mental e, talvez seja possível afirmar, ajudou a desestigmatizá-las. O edital do programa Rumos Itaú Cultural 2019-2020 contemplou dois projetos de livros que abordam esse tema. O primeiro é um de poesia chamado Compêndio para moças de olhos lânguidos, da poeta Isabela Penov; e o segundo, Uma clínica de instantes inusitados, é sobre a metodologia e os processos criativos utilizados pelo arte-educador Babilak Bah nos serviços públicos de saúde mental em Belo Horizonte.

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O projeto de Isabela, além do livro de poesia, a ser lançado em 2022 pela Editora Urutau, incluiu a realização de um ciclo formativo de mesmo nome em agosto passado. O projeto, que aborda o eixo temático “Mulher, loucura e patriarcado”, busca traçar uma arqueologia poética da loucura feminina sob a percepção de que, se de um lado o patriarcado de fato contribui para enlouquecer mulheres, de outro aquilo que se chama loucura é muitas vezes apenas o nome que se dá aos desvios das normas sociais e de gênero.

A autora, vinda de uma família em que inúmeras mulheres foram diagnosticadas com algum transtorno mental, depois de quase uma década às voltas com tratamentos para diagnósticos psiquiátricos diversos, que depois se demonstraram equivocados, parte de sua própria trajetória e de seus registros – bulas, prontuários, relatos e histórias familiares, diários pessoais – e os cruza com outros materiais e documentos, relativos tanto a outras mulheres quanto ao universo da medicina psiquiátrica ao longo do último século. “O que chamamos de loucura não será, afinal, um nome que encarcera em si qualquer ameaça a essa ‘razão’ que cotidianamente nos mata?”, questiona Isabela.

Fotografia mostra o livro Uma clínica de instantes inusitados, de autoria de Babilak Bah. A capa é colorida, misturando cores como amarelo, azul, vermelho, preto e branco.
Uma clínica de instantes inusitados, de Babilak Bah, foi lançado em dezembro de 2021 (imagem: divulgação)

Já a obra de Babilak Bah revisita sua trajetória como arte-educador no campo da saúde mental, propondo uma abordagem artística das reflexões geradas nos serviços públicos voltados para esse tema, em especial nos Centros de Convivência e Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas (Cersam AD). O artista aborda a metodologia e os processos criativos utilizados em um trabalho que perpassa a música, a pintura, a literatura e outros signos de inventividade que inspiram o reconhecido trabalho musical do coletivo Trem Tan Tan, banda formada por pessoas com sofrimento mental, que completa 20 anos em 2022.

Da poesia visual na pintura à pesquisa entre corpo e palavra nas oficinas de literatura, Babilak maneja a linguagem artística como elemento de construção da subjetividade dessas pessoas. “O encontro da palavra com a percussão me deu sustentação como indivíduo. Foi onde criei minha alteridade, a alma do meu trabalho, entre o ritmo e a capacidade de raciocínio”, conta o autor.

O livro está estruturado em sete capítulos e foi lançado em dezembro de 2021. É possível encomendá-lo no site babilakbah.com.br.

Sobre Isabela Penov

A poeta tem se dedicado à poesia escrita, falada e, principalmente, vivida. É também atriz, fotógrafa e professora de artes na Educação de Jovens e Adultos (EJA) na rede municipal de ensino de São Paulo. Mantém um canal no YouTube com vídeos de poesia falada e um blog, o Semeaduras. Este será seu segundo livro. O primeiro, Aves Marias (ou A revoada), foi lançado em 2019.

Sobre Babilak Bah

Artista do ruído, poeta e arte-educador, Babilak Bah ganhou projeção no cenário musical com o premiado projeto Enxadário – orquestra de enxadas (2006). Seu trabalho autoral inclui, ainda, Biografia dos homens inquietos (2011) e o DVD Afroprogressivo (2014). À frente do Trem Tan Tan, gerou dois CDs e um DVD: Trem Tan Tan (2002), Sambabilolado (2008) e Sambabilolado e outros Tan Tan (2015). Ele também é autor de três livros: Voomiragem (2002), Corpoletrado (2012) e Diáspora descontente (2021).

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