Lagrimar: animação aposta na potência do lúdico para tratar da aridez das relações humanas
05/04/2019 - 00:00
por Marcella Affonso
Sozinha e rodeada pela seca, Joana é uma menina que vive em busca de água. Sua jornada deixa de ser solitária e ganha novo significado quando de sua cabeça surge uma minhoca, um ser diminuto mas que, ainda assim, se torna uma grande amiga – amizade que despertará na jovem um olhar otimista sobre as adversidades que a cercam. Essa é, em síntese, a história de Lagrimar, projeto de curta-metragem em animação que pretende abordar a questão da aridez para além do aspecto físico e geográfico.
“Minha intenção é falar sobre a seca de forma metafórica, tratar da aridez existente nas relações humanas, da falta de cuidado consigo mesmo e com o outro”, conta a idealizadora do trabalho, Paula Vanina Cencig, que, além de roteirizar a obra, atuará como diretora-geral e de arte. Fazendo uso de uma narrativa sem espaço nem tempo definidos, a animadora conta que a proposta do curta é despertar em quem o vê o desejo de estabelecer vínculos menos frios e mecânicos, firmados no afeto.
“Acho que tudo está ligado à minha formação original, em ciências sociais. Isso alicerça um pouco as minhas inquietações e a minha vontade de falar, mesmo que seja por meio das imagens”, comenta. Essa mesma inquietude fez nascer trabalhos como Está no Ar (2014) e Se Essa Rua, Se Essa Rua (2015).
Compartilhando das ideias do poeta mato-grossense Manoel de Barros (1916-2014), que vê grandeza nas brincadeiras da infância e nos seres e objetos menores de tamanho e importância, Paula conta que o estopim de seu desejo para criar a animação surgiu anos atrás, quando trabalhou a questão da cultura por meio das memórias primárias de jovens e idosos no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais. “Lá eu vivenciei quão potente é a ludicidade para que haja relações mais cuidadosas”, lembra. E é justamente no lúdico que aposta para alcançar o objetivo do curta: a minhoca, por exemplo, é real e ao mesmo tempo imaginária. “São as minhocas da nossa cabeça”, explica.
Do traçado ao vídeo final
No trabalho da artista, a figura do personagem principal costuma surgir antes da própria história a ser contada. Assim ocorreu também com Lagrimar, cuja trama foi concebida a partir dos traços que originaram a protagonista da obra, Joana. “Eu estava distraída desenhando uma árvore, da árvore eu desci e desenhei o rosto, e surgiu essa personagem. Não foi muito pensado. Então comecei a imaginar onde ela morava, o que estava sentindo”, recorda.
Com a intenção de contrastar esteticamente os elementos do curta-metragem, será utilizada uma técnica mista para dar vida à narrativa: com linhas mais fluídas e orgânicas, os personagens serão feitos em animação digital 2D; já o cenário, de aparência mais rígida e árida, será construído em maquete tridimensional não computadorizada. O resultado será a junção das imagens da maquete vazia captadas em vídeo com os desenhos animados digitalizados, que serão inseridos na filmagem.
Água para o campo da animação autoral
Apesar de considerar que o campo da animação autoral tenha evoluído no país de forma geral, Paula chama a atenção para a escassez de apoio financeiro dos setores público e privado voltado para esse tipo de produção no Rio Grande do Norte, estado de onde parte o projeto, sobretudo em trabalhos dirigidos por mulheres. Buscando contribuir com o fomento desse cenário, bem como com a formação de mulheres para atuarem no setor, a animadora investirá na pesquisa de profissionais locais para compor a equipe de criação do curta, bem como na contratação de estagiárias mulheres. “Minha ideia é encontrar essas pessoas e fazer com que comecemos a nos movimentar. Quero poder alimentar esse cenário”, afirma.
Apoiado pelo programa Rumos Itaú Cultural 2017-2018, o projeto está previsto para ser realizado dentro de um ano e três meses, começando oficialmente em julho de 2019, com a finalização do roteiro.