por Amanda Rigamonti

 

Cadê Heleny?, curta-metragem de animação em stop motion, é um projeto idealizado pela espanhola Esther Vital Garcia Conti. Psicóloga e mestra em transformação de conflitos, curadora e pesquisadora de arte têxtil, Esther se baseou em sua pesquisa antiga, de 2008 – as arpilleras.

Ela teve contato com o que chama de “bonequinhas” quando conheceu Roberta Bacic, curadora que acompanhou mulheres chilenas parentes de desaparecidos políticos entre 1973 e 1993. “[Essas mulheres] fizeram esses quadros costurados com as roupas dos desaparecidos para denunciar o que acontecia no país. Então essa é uma linguagem que fala dos desaparecidos e traz a costura para falar em um lugar onde há uma censura e não é possível contar histórias com palavras”.

A partir da pesquisa, Esther teve a ideia de fazer um filme que falasse de algum desaparecido da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Para começar o projeto, visitou o Memorial da Resistência, localizado no bairro da Luz, em São Paulo – o primeiro local no Brasil a receber uma exposição de arpilleras, em 2011. Nessa visita, Esther conversou com a diretora do local, Kátia Filipini, em busca da personagem – a pesquisadora sabia que queria falar de uma mulher. Recebeu então um livro com as histórias de algumas das desaparecidas, e a história de Heleny Ferreira Telles Guariba chamou sua atenção.

“Lembrou um pouco a minha história, eu me identifiquei com ela como mulher, porque era de classe média, artista, trabalhava com a linguagem... Trabalhava já com o teatro como forma de resistência, como forma de ação popular, de conscientização, então ela tinha várias ferramentas, tinha dois filhos da idade dos meus quando desapareceu”, conta.

Heleny Guariba desapareceu no Rio de Janeiro em 12 de julho de 1971. Reconhecida diretora de teatro, transitou por espaços de grande efervescência de ideias e propostas revolucionárias de transformação social junto a grandes pensadores, como Augusto Boal, Frei Betto e Marilena Chauí. Foi professora no Teatro Arena e na Escola de Arte Dramática (EAD), liderada por de Alfredo Mesquita, dirigindo grandes atores da cena brasileira, como Sonia Braga, Densie Del Vecchio, Sonia e Anibal Guedes, e Dulce Muniz. Heleny fez parte da Vanguarda Popular Revolucionária, foi grande amiga de Iara Iavelberg e escondeu em sua casa o homem mais procurado pela ditadura militar na época, o capitão Carlos Lamarca.

Para contar sua história, Esther vem conversando com pessoas que conheceram diferentes facetas de Heleny – o filho, o namorado, o advogado, uma aluna (Dulce Muniz) e a única sobrevivente da Casa da Morte, Inês Etienne Romeu (1942-2015) – os relatos de Inês serão reproduzidos a partir de um testemunho que a militante deixou registrado.

A animação em stop motion, construída frame a frame, será montada com base nesses testemunhos. Enquanto as histórias são contadas, os cenários são desenhados pela costura de bordadeiras que reproduzem a proposta das arpilleras. “No processo, primeiro é preciso mostrar um cenário, colocar um personagem e depois, para cada segundo de filme, fazer 12 fotografias nas quais os bonecos vão se mexendo para dar essa ilusão de movimento. O bonito, a magia da ilusão da animação em stop motion é isso. A gente não quer que pareça real, quer que o espectador saiba que teve uma mão costurando por trás, que teve uma pessoa mexendo cada movimento daquele bonequinho. Quando pronto esse filme de dez minutos, que se saiba que o processo teve um ano e meio e 7.200 fotos tiradas.”

Sobre a dificuldade de tratar da memória e reconstruir a história de uma pessoa desaparecida e sua escolha de linguagem para esse processo, Esther completa

“como construir uma verdade quando uma pessoa é desaparecida? Não há onde pegar fatos e documentos objetivos para contar. Então a gente recorre à memória de quem a conheceu, e essa memória hoje já que se constrói no presente. E, entre os vários elementos que nos ajudam a construir essa memória, a costura é uma linguagem que ajuda a materializá-la, porque fica gravada no nosso cérebro através de sinapses. Quando trazemos a materialização dessa memória a partir da costura, a gente trabalha com ela de uma forma pausada, pegando ponto a ponto e trazendo aquelas lembranças que acabam fazendo um processo para dentro, mas que fica registrado para fora. Então conseguimos ao mesmo tempo conviver com dualidades, com contradições, e colocar tudo no mesmo tecido. Acredito que as arpilleras têm esse poder de não ter de contar uma história de forma linear e conseguir recolher ambiguidades e a partir daí aprofundar nas coisas”.

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