por Heloísa Iaconis

Rio Grande do Sul, capital. Década de 1920. Carros vão e vêm por entre avenidas largas e letreiros luminosos. Tal velocidade simboliza o anseio da nova República: almeja-se o moderno e, para tanto, nada de casas velhas ou cantos íngremes. Cada vestígio do passado colonial deve ser omitido em prol de uma outra concepção de cidade. Assim, nessa época, ganham corpo enormes reformas urbanas, transformações que são o cerne de Beco do Rosário, história em quadrinhos da ilustradora Ana Luiza Koehler. “O projeto surgiu da minha vontade de recriar a Porto Alegre desse período, mostrar como ela era, as pessoas que a habitavam e as mudanças pelas quais passou”, diz a autora.

A tarefa de contar esse enredo fica a cargo, principalmente, de três personagens: Vitória, jovem que bem defende os becos, e os irmãos Waldoff, descendentes de uma família de imigrantes abastados. Lançada em 2015, a primeira parte dessa trama teve 500 exemplares e conquistou o prêmio HQMix 2016 nas categorias Publicação Independente de Autor e Exposição de Quadrinhos na Galeria Hipotética. Agora, selecionado na edição 2017-2018 do Rumos Itaú Cultural, o segundo volume pretende continuar a narrativa por mais 50 páginas, desenhos que utilizam lápis, nanquim, bico de pena, aquarela e muita delicadeza.

Os traços do ontem
Traços que são, no fundo, de todos. Um ontem que é, na verdade, um século. Um trabalho que carrega, na essência, o desejo de contribuir para o entendimento de uma metrópole, de um povo. E tudo por meio do desenhar, atividade que cativou Ana Luiza ainda pequena. Quando criança, os seus pais liam bastante para ela; em especial, um gênero: quadrinhos. Desse modo, a imaginação da também arquiteta foi construída, desde cedo, com elementos visuais, o que explica o fato do seu ofício ser pura imagem.

Aquarela da personagem Vitória | ilustração: Ana Luiza Koehler

Em Beco do Rosário, a invenção de figuras une-se a uma pesquisa histórica que percorreu não só os meandros da terra dos gaúchos como o percurso do Brasil inteiro. “Busquei um conhecimento fundo para tornar verossímeis as trajetórias dos personagens”, explica a artista. Neste estudo, combinam-se política e fotografia, paisagens e figurinos, mapas e jornais. No Correio do Povo, por exemplo, em uma charge de 12 de maio de 1926, a ilustradora encontrou alguns provérbios (“passar cebo nas canelas” ou “está fazendo castelo no ar”) que a auxiliaram na elaboração de uma linguagem em consonância ao contexto enfocado: os diálogos devem caber, com perfeição, nas bocas dos protagonistas. O mesmo vale para roupas, acessórios, moradias, ruas. Tamanho empenho precisa de tempo, é certo. Por isso, Ana Luiza inscreveu-se no Rumos e comemora a seleção: “Quadrinhos são trabalhosos de serem produzidos. Com o financiamento, terei força para mobilizar essa história, o que é uma alegria e uma segurança”.

 

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