por Ana Luiza Aguiar

“Nós fizemos esse grupo porque achamos que a nossa cultura estava enfraquecendo e achamos que é muito importante deixar isso registrado para nossos filhos e netos também. Para que eles não deixem a fala e a cultura deles morrer.” Assim começou a entrevista com dona Mariazinha Guajajara, uma das dez lideranças indígenas que integram o projeto Zemu’e Haw, aprovado pelo programa Rumos Itaú Cultural. Com essa fala simples, a anciã resume o objetivo da proposta que foi fazer o registro da cultura oral do povo indígena Tenetehara que mora no noroeste do Maranhão.

O projeto foi idealizado pela designer e linguista Silia Moan, mas ela faz questão de enfatizar que a demanda surgiu de um desejo dos anciões, os "Tumuia", da aldeia Maçaranduba. “Eles sentiam uma necessidade de registrar os seus cantos e ritos para a posteridade. Ajudei a formatar esse desejo deles”, conta. O resultado será um conjunto de dez minidocumentários mostrando cantos ritualísticos que fazem parte da mitologia da tribo, contados através do olhar dos próprios anciões. Foram eles que roteirizaram, registraram e editaram os curtas-metragens, fato que foi possível graças às oficinas de audiovisual promovidas pelo projeto.

“Os cantos escolhidos vinham sendo repassados de geração para geração [na aldeia] e estão associados a rituais de passagem. Mas atualmente só quem conhecia esses cantos eram os velhinhos”, explicou Silia. Porém, isso mudou com a realização do projeto. Entre uma oficina e outra, os anciões começaram a registrar esses cantos, e os rituais que os acompanhavam, o que acabou atraindo a atenção dos mais novos da aldeia. “Eles estão aproveitando esse interesse para passar conhecimentos não apenas da língua, mas também do roçado e dos remédios do mato, por exemplo. É um tipo de educação que não existe numa sociedade ocidentalizada, na qual eles estão restritos a aprender dentro de quatro paredes”, conta.

“A língua tenetehara está por um fio na aldeia Maçaranduba. No futuro, muitos podem não ter a oportunidade de aprender na aldeia, contando história e escrevendo na nossa cultura. Por isso, vamos nos esforçar e fazer de tudo para apresentar e registrar os nossos conhecimentos”, garante Manoel Tukano, outro dos dez anciões que compõem o projeto. A preocupação dele não é infundada. Atualmente, existem cerca de 30 mil indígenas no Brasil pertencentes ao povo Tenetehara. Na Terra Indígena Caru, onde está localizada a aldeia Maçaranduba, vivem 402 deles, mas apenas 20 são fluentes na língua materna.

Há muitas razões que levaram ao desuso da língua, desde uma intensa relação com o entorno não indígena da aldeia até a incidência de casamentos interétnicos consecutivos e o uso de bens de consumo da sociedade ocidentalizada, como televisores e rádios. Cerca de 80% dos professores que atuam no Caru não são de origem indígena, não falam tenetehara e desconhecem as metodologias tradicionais de transmissão de conhecimento desse povo.

A preocupação em não deixar a língua morrer levou os anciões da aldeia a se reunirem para discutir formas de preservá-la. Foi daí que surgiu a necessidade de criar um espaço de troca de saberes, onde eles são os mestres e onde poderiam, coletivamente e usando metodologias tradicionais, transmitir conhecimento aos mais novos. A esse espaço eles deram o nome de Mair Zemu’e Haw.

O programa Rumos viabilizou que esse local deixasse de ser um espaço simbólico e passasse a ser também um espaço físico. Em novembro de 2018, os anciões, com o apoio da Associação Wirazu, construíram uma casa tradicional feita de brotos da palmeira babaçu para abrigar os encontros. “O Mair Zemu’e Haw é um espaço para valorizar a nossa identidade. Aqui quem quiser vai falar a minha língua e aprender mais sobre a nossa cultura, que, quando é passada pela nossa língua, fica mais forte”, explicou o cacique Antônio Guajajara.

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