Mais do que contar a história do ritual mais longo e complexo praticado nos territórios indígenas brasileiros, o projeto Yãkwá, Imagem e Memória permitirá o domínio do registro da tradição de um povo por seus protagonistas: os Enawenê-Nawê. Eles terão acesso a um acervo de imagens e áudios, gravados em diferentes épocas, que mostra a cerimônia de sete meses na qual os Enawenê-Nawê cantam, dançam e oferecem comida aos espíritos, tendo como cenário rios do norte do estado de Mato Grosso.

De acordo com o indigenista e cineasta Vincent Carelli, idealizador da ONG Vídeo nas Aldeias e proponente do Yãkwá, Imagem e Memória, o projeto aprovado pelo programa Rumos Itaú Cultural “objetiva a devolução de mais de 300 horas de imagens da cerimônia ao povo Enawenê-Nawê, que participará da classificação e da edição do material durante oficinas de vídeo instaladas na comunidade pela equipe da ONG”.

Após viverem isolados até a década de 1970, nos anos 2000 os Enawenê-Nawê passaram a ser ameaçados devido à instalação do Complexo do Juruena, que administra a construção de centrais hidrelétricas nos arredores de seu território. O impacto da construção comprometeu a dinâmica ecológica dos rios e, em consequência, a realização da cerimônia, declarada patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco.

Entre 1991 e 1995, Carelli e a antropóloga Virgínia Valadão produziram um completo e sistemático registro do ritual Yãkwá. As filmagens resultaram no documentário Yãkwá, o Banquete dos Espíritos. Em 2009, a equipe voltou ao território indígena e filmou novamente, mas em um momento crítico, marcado pela ausência de peixes em razão do início da construção das primeiras barragens no Rio Juruena, que impedem a piracema.

Após 14 anos, a equipe de filmagem encontrou um ritual transformado: voadeiras, panelas de alumínio e peixes de criatórios tomam o lugar de canoas, panelas de barro e peixes pescados nas armadilhas dos altos rios. Agora, em 2019, as filmagens continuam e devem revelar a resistência dos Enawenê-Nawê em preservar suas relações históricas e mitológicas por meio do Yãkwá.

Para Carelli, o projeto Yãkwá, Imagem e Memória colabora para a luta da comunidade indígena pela integridade de sua cultura e de sua identidade, um patrimônio brasileiro cada vez mais ameaçado de extinção pela exploração predatória. “Por isso, o projeto propõe a digitalização, a devolução e a difusão do acervo videográfico sobre a cerimônia, em colaboração com os indígenas. Assim, eles terão sua história registrada para as novas gerações”, explica.

Vídeo nas Aldeias

O registro da memória dos Enawenê-Nawê faz parte do patrimônio da ONG Vídeo nas Aldeias, composto de um acervo de imagens de 50 povos indígenas do Brasil, com 8 mil horas de gravação produzidas ao longo de mais de 30 anos. O projeto – que utiliza recursos audiovisuais para fortificar a identidade dos povos indígenas e sua cultura – surgiu em 1986, como um experimento realizado por Carelli entre os Nambiquara. O ato de filmá-los e deixá-los assistir ao material gerou uma mobilização coletiva, o que motivou o cineasta a levar a mesma prática a outros grupos. A produção da ONG, em parceria com as comunidades indígenas, está disponível na filmoteca do Vídeo nas Aldeias, formada por histórias que retratam a diversidade cultural dos povos indígenas brasileiros. 

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