No dia 17 de novembro, Alessandra Leão lançou o disco ACESA, etapa final do projeto de mesmo nome da artista, contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2017-2018. São dez faixas inéditas e três vinhetas, com produção e arranjos assinados por Caê Rolfsen, produtor musical com quem trabalhou também em Macumbas e catimbós, de 2019.
A primeira etapa do projeto ACESA foi a produção de uma websérie com o conteúdo de conversas e trocas feitas em caminhadas livres com artistas populares, líderes religiosos e mestres ligados às tradições do coco, da ciranda e do maracatu.
O material colhido durante esse período inicial resultou na criação de músicas com synths e percussão, que permitiram que Alessandra se aprofundasse em formações musicais com que já flertava, num trabalho de vivências e experimentações. As faixas são pulsantes e festivas, com espiritualidades e transmutações pessoais.
Escrito assim, em caixa-alta, ACESA soa como um grito, um ungir que ativa a alma, um suspiro, mas sobretudo a movimentação e a possibilidade de perder-se e, ainda assim, continuar caminhando.
Nascida em Recife (PE), Alessandra adquiriu gosto pelo teatro e iniciou seu contato com a música como um recurso para as aulas. Para a cantora, a música tem um lugar de construção narrativa e, embora seus pais não fossem músicos, canções sempre contaram parte de sua história. Profissionalmente, começou a tocar em alguns grupos de música tradicional, até a formação da banda Comadre Fulozinha, que considera o marco de sua vida como musicista.
Qual material você preparou para o Rumos Itaú Cultural? ACESA foi resultado da sua participação no programa?
O Rumos é definidor da existência desse projeto. Pela parte financeira, mas também pela parceria na hora da realização. Foi uma experiência não somente de um processo burocrático e institucional, eu tive todo um acompanhamento, uma parceria de trabalho, com diálogos e trocas que foram muito importantes e definidoras, que fizeram do projeto o que ele é.
Como se deu o processo criativo do álbum?
O projeto aconteceu em algumas etapas. A primeira delas foi a residência artística que se tornou uma websérie de 14 episódios, lançada um pouco antes da pandemia. E, depois, temos este desdobramento que é um disco. Essa primeira imersão foi uma residência artística também para a criação do disco, feito a partir de caminhadas à deriva. Em cada entrevista, em cada conversa, tínhamos como definição apenas um ponto de partida e assuntos e lugares que eu queria visitar poeticamente, subjetivamente. As conversas acabaram passando por esses lugares sem roteiro muito predefinido, aconteceram com esse deslocamento, com esse processo de perder-se que a deriva propõe.
A criação teve consequências devidas à pandemia? Você acredita neste novo modelo híbrido de se relacionar com seus ouvintes?
Afetou demais o processo criativo. Acho que a pandemia impõe também, a todos nós, um desafio de como estar no mundo, e não tem como não afetar a criatividade. Especificamente sobre meu processo, é um disco que propõe um deslocamento pela cidade e a imersão no espaço urbano, uma caminhada. Ficar completamente isolada como eu fiquei, sem sair de casa para nada durante muitos meses, afeta de forma profunda. É um período de desafio e de criação.
Esse isolamento radical – e agora menos – coloca as relações introspectivas em outros modos e faz com que os encontros aconteçam de outra forma, com outra materialidade, inclusive. Não sei se acredito em modelos híbridos, virtuais ou presenciais, mas acredito na potência dos encontros tanto quanto acreditava antes da pandemia.
Acho que esse disco fala especialmente sobre os encontros e a potência deles. Sigo acreditando na potência deles. A rua é fundamental para se perguntar o que restou da vida. Talvez isso não aconteça virtualmente. Não há hibridismo para dar conta dessa ausência da rua, do espaço e das trocas que só acontecem nesses lugares.
Em termos de projeto, o que você tem pensado para o futuro?
Preciso fazer com que exista o show desse disco que está indo agora para o mundo, dar conta disso. Acho que é, sobretudo, uma questão de ter calma, de não gerar ansiedades além das que existem. É uma questão de caminhar. Preciso voltar a caminhar. E a rua vai me responder quais os planos para o futuro mais distante. Ou melhor, encontrarei essas respostas caminhando.