[acesse o índice da Revista Observatório 31]

HD: E os hospitais psiquiátricos, o que é que vai acontecer?

BR: Isso vai acabar, esse negócio de doença...

HD: Não vai haver mais nenhuma doença?

BR: Não, miséria... Nada, nada...

HD: Nem miséria?...

BR: Nada, então, nada.

HD: E tristeza?

BR: Mas não pode rapaz, mas não pode. Tá mais do que visto, a minha estadia aqui junto com meu povo vai, será vida, vida para todos os tempos e glória, mais nada. 

(Entrevista de Hugo Denizart com Arthur Bispo do Rosário, 1982)

 Arthur Bispo do Rosario criou um arquivo de objetos e nomes, um inventário da atividade criadora humana, uma história narrada através dos objetos e das palavras que coletou, ganhou, trocou, produziu, selecionou e organizou, especialmente entre os anos de 1967 e 1989, durante sua internação em um dos mais terríveis dispositivos modernos de segregação e racismo: o manicômio. “Uma obra que levou 1.986 anos para ser escrita, documentada e fotografada”, sua missão espiritual, endereçada ao Fim do Mundo. A obra de Arthur Bispo do Rosario não é apenas uma criação, ela é também criadora. Sua materialização produziu efeitos que irradiam no tempo e no espaço. Não pode ser assimilada com as ferramentas da história da arte ocidental; ao contrário, ela desafia o próprio conceito de arte moderna e abre caminhos na contemporaneidade, instaurando um novo campo de possibilidades estéticas e éticas.

 Fala-se de um “efeito Bispo” na arte brasileira desde a sua primeira exposição individual, Registros de minha passagem pela Terra, organizada pelo crítico e curador Frederico Morais na Escola de Artes Visuais do Parque Lage em 1989, ano de falecimento do artista. Tal efeito reverbera no museu que ganha seu nome – situado nesse território marcado pela violência institucionalizada –, cuja responsabilidade vai além da desafiadora missão de guardar, preservar e expor esse acervo tão importante, reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio nacional em 2018. Simultaneamente uma instituição pública de arte e um equipamento de saúde mental, vinculado ao Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, o Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea realiza, desde 2013, programas mobilizados pela luta antimanicomial e inspirados na vida e obra de Arthur Bispo do Rosário, para tecer coletivamente novas práticas nos campos da arte, da educação e da saúde, e para não deixar cair no esquecimento o contexto manicomial em que seus trabalhos foram criados.

A mostra Eu vim – Bispo do Rosario: aparição, impregnação e impacto, que será aberta em 18 de maio de 2022, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, traz para o Itaú Cultural (IC) 400 peças dessa obra única, que produz efeitos imensuráveis no campo da saúde mental e na cena artística brasileira.

Diana Kolker Carneiro da Cunha é educadora, historiadora e curadora. Mestra em estudos contemporâneos das artes [Universidade Federal Fluminense (UFF)], com a dissertação (E)ventos e (in)ventos: convergências e divergências entre as práticas artísticas, educativas e curatoriais na Bienal do Mercosul. Especialista em pedagogia da arte [Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)] e graduada em história [Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)]. Desde 2017, é curadora pedagógica do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, onde coordena o projeto pedagógico da instituição e orienta o programa de residências artísticas Casa B e o Atelier Gaia, além de compor a curadoria dos programas expositivos. Fundadora do Coletivo E, concebeu e realizou diversas ações educativas em contextos artísticos e museais, além de coordenar cursos e programas de formação de mediadores culturais, professores e artistas em colaboração com diversas instituições, como Bienal do Mercosul, Instituto Mesa, Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói, Fundação Iberê Camargo e Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS).

Ricardo Resende, curador de exposições e museus de arte, é mestre em história da arte pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), com carreira centrada na área museológica. Trabalha desde 1988 em instituições museológicas, como o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), o Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza, a Fundação Nacional de Artes (Funarte), no Rio de Janeiro, e o Centro Cultural São Paulo (CCSP), tendo desempenhado as funções de arte-educador, produtor de exposições, museógrafo, curador-assistente, diretor-geral e curador. Foi curador do Projeto Leonilson de 1996 a 2017. É conselheiro curatorial do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), em São Paulo, e conselheiro do Icom Brasil. É curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro, desde 2014.

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