Rosinha conecta-se com o presente por meio do trabalho
15/05/2020 - 11:45
por Heloísa Iaconis
Era 2019, Rosinha brincava com o seu afilhado mais novo: ela colocava areia em um balde e o menino derramava tudo. O ciclo, então, reiniciava: ela enchia o balde, a criança o esvaziava. O passatempo, de todo singelo, fez com que a ilustradora descobrisse a natureza de seu elo com o garoto: o vínculo firma-se sem a necessidade de barulho, sendo o silêncio de uma brincadeira capaz de expressar grande carinho e posicionar o indivíduo no hoje. Desse tipo é também a conexão de Rosinha com o próprio trabalho: “Na feitura de um livro, acabo por me ligar ao sagrado, um sagrado que não tem caráter religioso. Trata-se de sentir a divindade que é estar viva e participar do presente”, diz a artista. Seja na companhia do afilhado, seja quando está imersa em um processo criativo, há o gosto pela conexão com um tempo sem ruídos.
A conquista do agora, porém, é fruto de uma trajetória dedicada a histórias, imagens e infância. Ainda pequena, Rosinha encantou-se por poemas de Homero (autor da Ilíada e da Odisseia), gibis e contos de fadas, estes apresentados a ela por meio da Coleção Disquinho (coletânea lançada em 1960, cujas músicas ficaram a cargo de Braguinha). Foi também com pouca idade que encontrou a tarefa que a acompanharia vida afora: “Uma lembrança forte que guardo: eu deitada no piso frio embaixo da mesa, desenhando, enquanto a minha mãe costurava. Desenhava muitas casas e costumava falar que, depois de crescida, iria construí-las” – recorda Rosinha. De muito rabiscar portas e janelas, resolveu ser arquiteta, tendo se graduado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O que a artista não esperava era que, mesmo adorando arquitetura como área de estudo, não se adaptaria ao cotidiano da profissão. Avessa a compras, Rosinha ficava desconfortável ao ter que acompanhar um cliente ávido por móveis novos. Para resolver burocracias na Prefeitura, perdia o bom humor e se crispava. Com o decorrer dos anos, notou que preferia um ofício mais solitário, algo que não dependesse de uma equipe completa, e, assim, começou a questionar os rumos de sua carreira. A resposta para a sua angústia profissional surgiu de modo inesperado: sua filha tanto pediu para que ela cantasse as mesmas cantigas ensinadas pelas professoras que, certo dia, Rosinha foi à escola e anotou as letras, um jeito de aprender as canções e agradar sua menina. Para cada composição, elaborou um desenho correspondente, e, dessa forma, nasceu Som Coração (1994), a sua estreia na literatura infantojuvenil.
Lançado o primeiro título, Rosinha ouviu o conselho de um conhecido que a incentivara a ir à Bienal Internacional do Livro, em São Paulo. “Ao pisar ali, pensei: ‘Este é o meu lugar’. Foi uma emoção enorme”, resume a ilustradora. Em 1997, ela passou a desenvolver projetos autorais, traços e enredos seus. Em 2004, conseguiu o amparo de uma editora e, desde esse período, vem concebendo uma obra que abarca narrativas constituintes da sensibilidade comum (a exemplo de Chapeuzinho Vermelho e João e Maria) e homenagens delicadas a Cecília Meireles e Manuel Bandeira. Histórias que podem partir de uma cena, uma palavra, um conceito, uma memória...
Um afeto. Ou vários. “Quando completei 50 anos, organizei uma festa. Chamei gente de todas as fases da minha vida. Quis reunir os afetos que cultivei. Sou feita deles e, no fundo, o meu trabalho traz isso”, ressalta. A ternura também tem espaço na sala de aula: em parceria com Anabella Lopez, designer gráfica argentina, Rosinha fundou Usina de Imagens, curso de formação de ilustradores, uma oportunidade de trocar saberes e ampliar repertórios. Mais uma maneira que ela achou de estampar a sua proposta maior: convidar todos para que se abram ao livro, ao brincar, ao hoje.