Qual é a história de sua maior saudade?
No momento me vem uma saudade muito grande de Belém (PA), que, desde 2013, é um lugar que sempre visito. Descobri Belém quando expus meu trabalho no Salão de Arte Pará. Estou com saudades dos meus amigos da cidade, de estar no rio, de ir para a Ilha do Combu, de tomar banho de chuva, de descobrir aquele lugar que me encantou e que, de certa forma, mudou minha maneira de produzir e trabalhar. Acho que tem uma Juliana antes e pós o encontro com o Pará. Um lugar com energias potentes e de muitos afetos, amizades e cultura, onde me sinto acolhida. Neste momento de repercussões intensas sobre meu último trabalho, Diva, essas perguntas ganham outra conjuntura. Sinto vontade de voltar para os braços de Belém.
O que a emociona em seu dia a dia?
Eu vivo nos últimos anos num contexto que mescla cidade e áreas mais isoladas em contato com a natureza. Acho que na cidade – imersos nesta conjuntura de sociedade neoliberal e neste mundo precário onde todos lutam pela sobrevivência e o tempo se torna dinheiro – me emociona gestos e pequenas atitudes de pessoas que eu não imaginaria que teriam tal sensibilidade – seja na rua, seja no ônibus ou no supermercado. A gente vive tão pressionado por este sistema capitalista que a sensibilidade vira essa poesia que há no ser humano, essa poesia sobre a qual colocamos mil camadas. Emociona-me bastante vê-la escapando. E na natureza são os animais e as árvores, principalmente quando estou só. Eu sou uma pessoa só, sempre morei sozinha e tenho uma relação boa com a solitude. Eu me dou muito bem comigo mesma, e quando tenho um contato com a natureza é realmente uma experiência muito sensível.
Como você se imagina no amanhã?
É difícil pensar no amanhã, já que ele foi retirado de nós. Não temos a possibilidade de pensar no futuro, principalmente no meio de uma pandemia. Costumo não pensar, na verdade. Mas, independentemente das circunstancias de fins do mundo – estamos vivendo vários fins de mundos –, penso em duas possibilidades: morrer de câncer mais cedo, antes de poder envelhecer – algo que acontece muito, infelizmente; ou viver e poder envelhecer com os amigos mais próximos, ou num lugar mais reservado próximo à natureza, com animais. Mas sempre me vejo só, rodeada de bichos, com espaço mais natural.
Quem é Juliana Notari?
Essa é difícil de responder. Cada indivíduo é tão múltiplo, são tantas subjetividades que atravessamos na nossa experiência de vida. São fases e etapas em que diferentes subjetividades aparecem. O indivíduo fecha a gente em si mesmo, não dá a possibilidade de devir para o universo, de devir para a existência. Estamos sempre entrando em devir neste processo de existência. Mudamos. Mas, dentro deste processo e destas várias Julianas que perpassam por mim, algo tem uma certa estranheza. Sempre me senti meio estranha no mundo, nos gostos, nos hábitos, na maneira como me alimento e me comporto, mas é um estranhamento bom. Rico. Meu apelido na adolescência era “Carry, a Estranha”. Esse estranhamento me possibilita deparar com a lida cotidiana, faz com que eu me abra para conhecer outros mundos que minha própria obra me apresenta – não à toa sou artista. Meu trabalho me coloca como estranha de mim mesma. Isso é muito bom. Sou uma pessoa aberta ao estranho, sem nenhuma possibilidade de recuo.
Um Certo Alguém
Em Um Certo Alguém, coluna mantida pela redação do Itaú Cultural (IC), artistas e agentes de diferentes áreas de expressão são convidados a compartilhar pensamentos e desejos sobre tempos passados, presentes e futuros.
Os textos dos entrevistados são autorais e não refletem as opiniões institucionais.