por Heloisa Iaconis da Costa

 

A série Festas populares do Brasil, do Itaú Cultural (IC), destaca a diversidade, a cultura e a tradição das celebrações típicas do país. Nesta edição, Heloísa Iaconis escreve sobre o Círio de Nazaré, de Belém, no Pará.

Círio de Nazaré | crédito: Fabrício Coleny


“Nada sobrevive há tanto tempo se não for verdadeiro na sua essência”, comenta Antônio Salame, coordenador da atual edição do Círio de Nazaré. O tempo, tanto tempo, por ele referido equivale, em medida mais exata, a 230 celebrações. Tudo começa antes mesmo desse número: em 1700, o caboclo Plácido José de Souza encontra a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, a padroeira dos pescadores portugueses, em uma floresta perto de Belém (PA). Ele, então, leva o achado para casa. Porém, no dia seguinte, a imagem some, e Plácido a recupera nas margens do igarapé Murucutu (onde, horas atrás, a havia localizado). Várias são as vezes que isso se repete até que surge a conclusão: Nossa Senhora quer ficar na beira do riacho, lugar do seu sempre retorno. Os devotos constroem lá uma ermida, espaço ocupado, hoje, pela Basílica de Nazaré. A devoção à santa aumenta, cresce, espalha-se e, em 1793, acontece a primeira procissão em sua homenagem. Duzentos e vinte e nove festejos depois, chega-se à comemoração de agora, com missas, vigílias de oração e memórias compartilhadas. “É o Natal dos paraenses”, resume Dina Carmona, criadora de conteúdo e apresentadora do podcast Papo no Tucupi.
 

Nossa Senhora de Nazaré | crédito: Aline Andrade


Para ressaltar a importância do Círio – reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) –, o especial Festas populares do Brasil traz as histórias de Dina e Antônio em relação aos cortejos de outubro. Ao site do IC ambos relembram os laços com o evento – os quais, a valer, têm início assim que nasceram.
 

Círio de Nazaré | crédito: Wanessa Alexandrino


Seja como bebê de colo, seja como trabalhador da coordenação

“Participo do Círio de Nazaré desde o meu primeiro ano de vida, quando ainda estava no colo dos meus pais”, recorda-se Antônio Salame. Em toda a sua trajetória, ele faltou apenas em uma edição por motivo de saúde. Coordenador da comemoração em 2022, sente-se honrado e alegre por trabalhar em favor de uma reunião que equivale, em suas palavras, a “uma grande manifestação de fé e devoção mariana, responsável por mobilizar milhões de pessoas”. E essa mobilização ganha formas diversas: carreatas, peregrinações a pé, de bicicleta ou moto, embarcações, shows, encontros familiares e rezas, momentos em que, no decorrer de uma quinzena, as atenções voltam-se para Jesus e Nossa Senhora, símbolos da crença católica. Resume Antônio:

“O Círio mantém-se fiel aos princípios de Cristo e à doutrina católica e, por esse motivo, permanece também a aceitação popular quanto à festa. De Deus emana a força que movimenta todos nas procissões. Por meio da devoção, consegue-se enxergar Jesus no rosto do outro e perceber a ternura de Maria Santíssima. Ela cuida de nós, nos educa e, por ela, nos emocionamos.”
 

Círio de Nazaré | crédito: Fabrício Coleny


Da maniçoba ao tucupi

A cada outubro, há nas refeições, por exemplo, arroz de jambu, pato no tucupi, maniçoba, casquinha de caranguejo, sorvete de açaí e torta de cupuaçu. Trata-se de uma lista de alguns dos pratos que fazem parte das mesas paraenses durante o Círio. E é, justamente, a gastronomia que costura as lembranças de Dina Carmona no que diz respeito ao festejo. O pato no tucupi, aliás, serve-lhe de inspiração para o título do seu podcast: Papo no Tucupi, programa que apresenta ao lado de Vito Israel e busca enaltecer a amazonidade e as culturas da região Norte.
 

Círio de Nazaré | crédito: divulgação


O cordão cultural percorre o trabalho de Dina, bem como corresponde à ligação que ela preserva com o Círio de Nazaré. Uma corda que, diferente do elemento tradicional da romaria (item que alcança o status de oficial em 1868), se amarra mais ao imaginário vivo do que à religião propriamente. “Sendo cristã evangélica, não participo, hoje, das cerimônias de maneira religiosa. Mas a festa vai além disso”, comenta. Dina segue se comovendo com os pagadores de promessas caminhando, levando na cabeça miniaturas de casas, talhadas em madeira, jeito de pedir uma residência para chamar de sua ou agradecer pela conquista de uma. As ruas lotadas, as cozinhas com o fogo aceso, famílias vindas de longe: todos esses itens compõem a celebração, tais quais as cores que se juntam e geram o manto da santa. E desse tecido completo a criadora de conteúdo muito se orgulha. Explica Dina:

“A festividade do Círio invade qualquer um que esteja em Belém no mês de outubro; impossível fugir dela (só se você, de fato, sair da cidade). Um patrimônio nosso que nós renovamos edição após edição, trazendo uma nova camada de personalidade e história. É uma fé inesgotável, a compreensão dos desígnios de Deus Nosso Pai, da união, do amor e do respeito ao próximo. Na verdade, o Círio não se explica: vive-se”.

 

Nossa Senhora de Nazaré | crédito: Aline Andrade


Círio de Nazaré – série Festas populares do Brasil
Onde:
Belém (PA)
Quando: outubro
Confira a programação em ciriodenazare.com.br.

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