Por André Bernardo

Doutora em artes cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Eloísa Brantes Mendes sempre se perguntou como é possível um rio tão grande e caudaloso como o Doce, com mais de 850 quilômetros de extensão, perder a força de desaguar no mar. A resposta, acredita ela, está na poluição de suas águas e no assoreamento de suas margens. “A imagem do rio secando é muito significativa da relação predatória do homem com a natureza”, afirma Eloísa – que, desde 2007, faz parte do Líquida Ação, um coletivo que problematiza a questão da água em performances de intervenção urbana. Por essa razão, ela decidiu inscrever o projeto Volume Morto no programa Rumos Itaú Cultural.

Dois dias depois de fazer a inscrição, Eloísa foi surpreendida pela notícia do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG). Considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, deixou 19 mortos, centenas de desabrigados e 1,5 mil hectares de vegetação destruída. Na mesma hora, Eloísa decidiu atualizar o projeto – que visa à realização de uma experiência cênica a partir de imersões em espaços em situação de calamidade hídrica. “A poluição do Rio Doce tornou-se uma questão urgente. Sabíamos que, caso fôssemos selecionados, o projeto seria alterado. Mas mantemos a proposta de investigar modos de resistência de vida em tempos de catástrofe”, explica.

foto: Jérôme Souty
foto: Jérôme Souty

A princípio, a equipe técnica – composta de sete artistas de diferentes áreas, como dança, teatro e artes visuais, mais um antropólogo e uma produtora – faria pesquisas de campo em três cidades nas quais o Rio Doce estava mais seco: Linhares (ES), Colatina (ES) e Governador Valadares (MG). Com o rompimento da barragem do Fundão, no entanto, decidiu-se montar acampamento na Vila de Regência, no município de Linhares (ES). É lá, a 120 quilômetros de Vitória, que o Rio Doce deságua no Atlântico.

No fim de 2015, Eloísa e parte de sua equipe viajaram para Regência, onde passaram dez dias. Na pacata vila de pouco mais de 800 habitantes, fizeram amizade com alguns de seus moradores e viram de perto o enorme estrago causado pelo tsunami de lama. “O que mais chamou nossa atenção foi a grande quantidade de carros-pipa entrando e saindo da vila. Ou seja, um lugar cercado de água por todos os lados não tem água potável. A vermelhidão da água, depois de um ano do desastre-crime, também nos impressionou bastante. Até hoje, nada foi feito pela recuperação do Rio Doce”, lamenta.

Por causa das alterações que o projeto sofreu, Eloísa só começou a produzi-lo em maio de 2017. A conclusão está prevista para setembro – e a ideia é que experiência cênica resultante do processo seja apresentada tanto em Regência quanto no Rio de Janeiro.

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