Quando a fotografia nos transporta e faz lembrar a história
13/04/2016 - 16:14
Por Cassiano Viana
Todos sabem: o ano de 1968 varreu o mundo como um tsunami, uma grande onda de mudanças e rupturas. Das manifestações estudantis em Paris – o Maio de 68 – aos movimentos nos Estados Unidos contra a Guerra do Vietnã e à luta pelo fim da ditadura no Brasil, passando por guitarras elétricas, experimentalismos, questionamentos das convenções sociais e da estrutura familiar, lealdades ideológicas e legados culturais. O ano que não acabou, como diz Zuenir Ventura, ainda carrega consigo o fardo do assassinato de Martin Luther King e de Robert Kennedy.
Esse é o cenário de 1968, o Fogo das Ideias, de Marcelo Brodsky, uma das obras que integram a exposição Arquivo Ex Maquina: Identidade e Conflito na América Latina, que acontece no Itaú Cultural de 15 de junho a 7 de agosto, com entrada gratuita, e faz parte do IV Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Paulo (realizado de 16 a 19 de junho).
O trabalho de Brodsky resgata fotografias de arquivo daquele ano, com intervenções feitas à mão pelo artista. O fotógrafo participa ainda da mesa Conspirações à Luz do Dia: Redes e Ações para a Fotografia, no dia 18 de junho, encerrando os debates do fórum.
Já Operação Condor, do português João Pina, trata da memória das vítimas do plano militar secreto instituído, em 1975, por seis países latino-americanos governados por ditaduras militares de extrema direita, para eliminar a oposição política. A operação – que tinha a intenção de calar os que pensavam de outra maneira, chamados de ameaça comunista e de "subversivos" – resultou na prisão, na tortura e na morte de cerca de 60 mil pessoas.
Durante aproximadamente uma década, Pina viajou de forma extensiva pela Argentina, pelo Brasil, pela Bolívia, pelo Chile, pelo Paraguai e pelo Uruguai para documentar o que restou da época do Condor. O fotógrafo conduz ainda, ao lado de Felipe Nepomuceno, o workshop Arquivo e Memória Política, como parte da programação do fórum.
Também integra a mostra a obra Cabanagem, do paulistano André Penteado, que passou dois meses e meio no Pará buscando, no presente, marcas reais e metafóricas do que foi a revolta social que aconteceu na região entre 1835 e 1840, deixando cerca de 30 mil mortos e sendo considerada um dos maiores conflitos já ocorridos na história do Brasil. Entre idas e vindas à região, onde Penteado passou dois meses fotografando, o resultado foram mais de 16 mil imagens na bagagem, algumas delas publicadas em livro homônimo.
Outro trabalho que faz parte da exposição é Boa Aparência, do mineiro Eustáquio Neves, um dos grandes nomes da fotografia brasileira. A ideia para a obra surgiu quando ele pesquisava textos e anúncios em periódicos antigos que denunciavam a fuga de escravos, informando as suas características e marcando a boa aparência como um diferencial – o qual, inclusive, aumentava o valor de mercado desses escravos.
Mais tarde, Eustáquio teve a ideia de confrontar esse tipo de informação com as ofertas de emprego dos classificados dos jornais atuais, que pediam, como requisito para a vaga, a mesma boa aparência. Além de contribuir para a construção da memória da cidadania negra no país, ao revisitar a história do Brasil escravista, o trabalho do fotógrafo nos faz pensar sobre os reflexos dessa memória escrava e das relações de trabalho nos dias de hoje.