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Foi em 2015 que Guilherme Cunha – artista visual, pesquisador e empreendedor cultural – deu início a um projeto de pesquisa com o objetivo de contribuir para a preservação do patrimônio histórico-cultural nacional e para a ampliação do entendimento sobre a história das imagens no Brasil. 

Retratistas do Morro, como ficou batizada a iniciativa, se dedica desde então a restaurar e divulgar o trabalho de fotógrafos que atuaram ao longo dos últimos 50 anos na Comunidade do Aglomerado da Serra – maior favela de Minas Gerais, localizada em Belo Horizonte –, registrando o cotidiano de seus moradores.

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A ideia do projeto surgiu do desdobramento de outro trabalho realizado por Guilherme Cunha – uma publicação criada para registrar a memória oral e visual dos moradores da Comunidade da Serra. O livro Memórias da Vila – Histórias dos Moradores da Comunidade da Serra abriu as portas para todo um universo de registros fotográficos, produzidos no próprio Aglomerado. Com base em um extenso processo de investigação, análise e catalogação dos arquivos, Guilherme e sua equipe encontraram um grande potencial nos registros de Afonso Pimenta e João Mendes, retratistas mineiros cujos acervos juntos somam mais de 40 mil fotogramas, em diversos formatos. 

As imagens produzidas por eles revelam, como conta o idealizador do projeto, outras versões das realidades vividas pelas populações de favela no Brasil, contadas segundo as experiências e visão de mundo dos habitantes. “Mais do que uma coleção fotográfica, mais do que uma documentação, esses retratos são um registro histórico da vivência das populações de comunidades, que não existe na fotografia brasileira de forma totalmente organizada.”

Uma vez escolhidos os artistas centrais, Retratistas do Morro se voltou para selecionar, editar, identificar, digitalizar e restaurar as fotos que eternizam os mais diversos acontecimentos do dia a dia da periferia, como casamentos, nascimentos, batizados, jogos de futebol, velórios, formaturas, bailes e as constantes construções de barracos.

“Entre os gestos fotográficos quase despretensiosos, voltados para o registro de uma realidade familiar e seus movimentos cotidianos, deixa-se transparecer muito das mudanças que ocorreram, ao longo do tempo, nos cenários social, político, econômico e cultural na região da Comunidade da Serra, a exemplo do que é visto em vários outros locais pelo Brasil”, reflete Guilherme.

O levantamento de todos os documentos e imagens integrantes de Retratistas do Morro é, como define Guilherme, um exercício de convivência. “Como é uma história não escrita, nós precisamos desenvolver o material, a partir de entrevistas, de impressões que temos em campo, a partir da relação em si com os protagonistas desse projeto. É um processo de escrita de história, realmente.”

Atualmente, com o apoio do Rumos Itaú Cultural, Retratistas do Morro caminha para a continuidade dos procedimentos de preservação da herança imagética da periferia de Belo Horizonte. Além da restauração de imagens, existe em andamento a produção textual bilíngue sobre o contexto em que elas foram realizadas, reunindo informações que serão disponibilizadas publicamente por meio de um site.

Guilherme destaca que o passo a passo do trabalho é muito dinâmico e envolve muito mais o ponto de vista das pessoas retratadas e dos artistas do que a simples catalogação do acervo de Afonso Pimenta e João Mendes. “Nosso papel como pesquisadores no projeto é, basicamente, a organização do material, a sugestão de como divulgar a trajetória dos retratistas e a conexão dos registros locais com a história global do Brasil. Mas o sentido do trabalho, o significado dele e como as narrativas que ele conta serão apresentadas para o mundo, tudo é conduzido pelas próprias pessoas que são parte da iniciativa.”

Proporcionar o acesso à memória e ao conhecimento histórico do país sintetiza a essência do que Retratistas do Morro buscam. Guilherme explica que a memória de uma nação deve ser um patrimônio público, disponível para consulta, pois somente assim se é possível contar a história brasileira integralmente. 

“A cultura precisa de um acesso universal, não deve ser particularizada. A memória não pode pertencer a um grupo, ela precisa pertencer a todos. Esse trabalho é uma forma de exercer o direito à própria história.”

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