por Vanessa Barbara

 

“Nem todos os que vagueiam estão perdidos”, já diria o escritor J. R. R. Tolkien. Só que muitos estão. Sobretudo se considerarmos o meu círculo de conhecidos. De acordo com um universo amostral absolutamente aleatório que acabo de invocar para esta crônica, eu diria inclusive que nós, os desorientados de nascença, estamos em franca maioria.

Tomem o exemplo de Luiz Fernando Toledo, premiado jornalista de dados e um dos diretores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Embora ele more em São Paulo há seis anos, ainda tem dificuldade de memorizar todos os trajetos e baldeações do metrô. Então, é comum que passe um tempo consultando os painéis informativos na parede das estações.

Certo dia, demorou tanto para se localizar que a campainha de fechamento das portas tocou e ele saiu correndo para entrar no trem, só para dar com a cara na porta. Uma senhora idosa viu a cena e deu risada. Depois se aproximou e disse que ele podia pedir nas bilheterias um mapa impresso das estações. Ele agradeceu pela dica e pegou o trem seguinte; a senhora também.

Por coincidência, desceram na mesma estação. Naturalmente, ele foi direto consultar o painel na parede, e, enquanto examinava o percurso, perdeu outro trem. Sentiu alguém cutucá-lo nas costas. Era a senhora, que disse: “Aqui o mapa. Pode ficar. Peguei um da minha bolsa que ia dar para o meu filho, que vive se perdendo. Mas você é mais perdido que ele. Boa sorte”.

Nada como despertar a piedade de senhorinhas na metrópole; é um dos meus hobbies favoritos. Moro em São Paulo desde que nasci e vivo perdida, andando em círculos, errando o caminho e pedindo ajuda em todos os pontos de táxi e bancas de jornal. (Taxistas e jornaleiros: vocês têm o meu absoluto respeito.)

Sou o tipo de pessoa que, saindo de algum lugar, esquece inteiramente de que lado estava vindo. Quando quero me referir a um local específico em uma conversa, costumo apontar para a direção oposta. Ouvi outro dia a história de uma moça que, na hora de viajar, quando precisa estacionar o carro em uma parada, sempre o deixa apontado para o lado certo, senão ela sai e arrisca voltar para casa.

Minha falta de senso espacial e de localização é notável: já me perdi dentro da estação Paraíso do metrô. A ideia era apenas atravessar a Rua Vergueiro pelo subterrâneo, mas, na tentativa de encontrar a saída certa, eu misteriosamente caía sempre do mesmo lado da rua. Tentei umas três ou quatro vezes e desisti. Por sorte, ninguém me flagrou nesse exercício deplorável. (A dica é parecer determinado e fingir que tem um objetivo.)

O desnorteio pode ser contagioso, como quando a gente dá indicações erradas sem querer ou arrasta um amigo em uma expedição sem nenhum horizonte. Muitas vezes é hereditário: minha mãe – que mora aqui há 65 anos – também já passou 40 minutos perdida no interior da estação Brás, subindo e descendo escadas que davam para os trilhos do trem ou para a plataforma contrária da linha do metrô que ela devia tomar.

Uma amiga conta que, certa vez, foi dar uma volta no quarteirão e se perdeu. Teve de pedir ajuda a transeuntes. Outra confessou que só chega aos lugares depois de ter feito pelo menos uma parada para pedir informação. “O pior é que, quando a pergunta é óbvia, ela é devolvida com um: ‘Você não é daqui, não?’. Mas eu sou”, disse a jornalista Ana Carolina Amaral, mestra em ciências holísticas pelo Schumacher College.

Várias outras pessoas me contaram que se perdem até em estacionamento de supermercado, no próprio bairro e no prédio onde trabalham há dez anos. “Peguei um Uber para ir a um restaurante na rua de trás”, revela João Vinícius Saraiva, diretor de marketing da revista piauí. Em geral, quando erramos a direção, persistimos no equívoco por cerca de meia hora, duas bolhas no pé ou três quilômetros.

Outro dia, eu me perdi no Street View do Google Maps, fui parar numa represa e nunca mais voltei. Tive que desligar o computador e tentar novamente em outra oportunidade. Até hoje não sei bem o que ocorreu.

O fato de termos nascido com a bússola interna pifada, ainda que revele muito sobre nossa desavergonhada perseverança, não diz nada sobre nossa capacidade intelectual e profissional. Em O Olhar da Mente, a secretária do neurologista Oliver Sacks (1933-2015) revela: “O dr. Sacks não é capaz de encontrar restaurantes ou outros lugares; ele se perde com muita facilidade. Às vezes, não consegue encontrar nem o prédio onde mora”.

O escritor, professor e tradutor Caetano Galindo compreende perfeitamente. Sua esposa confessou que, se um dia ela se cansar do casamento, pretende levá-lo a uma esquina – qualquer esquina – e rodá-lo três vezes, porque ele jamais ia conseguir voltar para casa.

Por incrível que pareça, não nasci de cesariana: mesmo sem um mapa, consegui encontrar a saída. Mas acho que foi a última vez.

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