De 2 a 28 de setembro, o Festival Arte como Respiro apresenta sua segunda edição. Desta vez, artistas selecionados pelos editais de emergência de música e de artes visuais se juntam aos de artes cênicas.

O evento, que segue totalmente on-line aqui no site do Itaú Cultural (IC), conta com espetáculos de teatro, dança e circo, apresentações musicais e obras de artes visuais.

Nesta primeira mostra, o principal tema abordado é o corpo em suas diversas representações. O conjunto de dez trabalhos enfatiza as diversas possibilidades destes corpos que, na rua ou nos limites de suas casas, chamam às ações de interação com o espaço diante do isolamento.

As obras ficam disponíveis aqui no site do Itaú Cultural de 2 de setembro (a partir das 18h) a 2 de outubro. Confira abaixo a programação – cada vídeo tem link próprio.

O corpo não é apenas agente performático de alguns trabalhos, como Lugar de Ser Feliz Não É Supermercado, de Cristina Suzuki, e Obra, de Juliana Garcia, mas ele também é objeto escultórico e instalativo.*

Lugar de Ser Feliz Não É Supermercado
(Cristina Suzuki, 2011-2015, 6min)

No trabalho, Cristina cobre as grades do portão de sua casa com folhetos de propaganda deixados nele, acumulados ao longo de três anos, bloqueando assim a visão de fora para dentro. A artista se reencontrou com este vídeo enquanto organizava produções ainda inéditas e entendeu que a obra se renovou em significados, o que a levou a inscrevê-lo no edital.
A versão original tem 1 hora de duração e foi pensada para reprodução em escala 1:1.
Para o Arte como Respiro é apresentada uma versão com 5 minutos.

Cristina Suzuki é artista visual pelas Faculdades Integradas Teresa D'Ávila – Santo André (SP). Possui participações em diversos salões de arte contemporânea no Brasil e obras nos acervos institucionais. Exposições no Sesi/SP, no Museu de Arte de Goiânia, no Marp, no Arte Pará e na Bienal do Recôncavo.

[livre para todos os públicos]

Obra
(Juliana Garcia, 2020, 7min)

Partindo de uma noção da ruína como a matéria em desconstrução, o trabalho propõe o procedimento inverso: investigar as formas de construção de um espaço de abandono. A ideia de que todas as construções já guardam em si a sua própria ruína – os materiais e a maneira pela qual se dará a sua própria ruína – desemboca na Obra, que evoca as possibilidades de construção de ruínas com base em um formato de vídeo-tutorial/passo a passo e experimentações com restos de parede e vestígios de construções. O formato vídeo-tutorial faz alusão às possibilidades de interação que se desenvolvem diante do isolamento. Neste contexto, a que tipo de abismo estão suscetíveis os espaços e os sujeitos? Qual é o impacto da presença e da ausência humanas sobre as construções? Passo a passo, como se constrói uma ruína?

Juliana Garcia é crítica e historiadora de arte pela Universidade de Brasília e atua como
arte-educadora. Sua pesquisa artística é voltada para as relações entre arte e política, corpo
e espaço. Sua pesquisa acadêmica se debruça sobre a produção de subjetividades nas periferias.

[livre para todos os públicos]

Em 1’16”, de Micael Bergamaschi, os corpos giram em movimentos incessantes, funcionando como metáfora do próprio homem que se encontra agora nesse espaço condicionado. Já em Serafim, do artista Leopoldo Ponce, o corpo do artista mistura-se aos neons colocados sobre a parede, confundindo-se com a própria obra-instalação. No trabalho de Rafael Bqueer, Sem Título, seu corpo vira objeto-sofá, que rasga o tecido-pele para conquistar a liberdade.*

1’16”
(Micael Bergamaschi, 2020, 3min)

Estamos à frente de tempos de antagonismos e regressão. Parece que estamos retrocedendo, ao invés de avançarmos como sociedade. O surgimento da crise atual parece só acelerar a nossa caminhada em marcha a ré. Ao mesmo tempo que limitações podem nos fazer paralisar, também podem servir de catalisadores para mudanças. Precisamos estar dispostos a transformar condições adversas em ferramentas. Vamos coletivamente mover-nos para trás, repensar cada passo que já foi dado, cada escolha já feita, e encontrar maneiras pelas quais desejamos seguir em frente.

Micael Bergamaschi é biólogo formado em micropaleontologia e fotógrafo. Também atua nas artes circenses desde 2014 e como acróbata aéreo e professor na Intrépida Trupe desde 2017.

[livre para todos os públicos]

Serafim
(Leopoldo Ponce, 2020, 7min)

O trabalho se propõe a investigar ações performativas que possam cristalizar-se em corpos escultóricos ou instalativos, buscando um olhar sobre o material e o ato como formas simbólicas. Este projeto faz parte de ações que tiveram seu desenvolvimento interrompido
pela dinâmica de restrição social.

A ideia desta concepção foi pesquisar possibilidades de tirar ações plásticas do estanque do objeto ou dos formatos fixos, criando brechas para interações ao vivo com outras linguagens
e agentes. O vídeo registra as ações do artista sobre objetos e sua concatenação espacial. Contextualizadas por um pequeno texto poético, escrito durante o período desta chamada quarentena, estas ações aglutinam algo do desconhecido que nos confronta.Leopoldo Ponce nasceu em 1976 em Quito, no Equador. Vive em São Paulo desde 1991. Desenvolve práticas artísticas que partem de um interesse nas mútuas influências entre ser humano e habitat, articulando narrativas e rastreando indícios de uma mneme mítica, no acúmulo de derrelitos da vida cotidiana.

[livre para todos os públicos]

Sem Título
(Rafael Bqueer, 2019, 7min)

O artista Rafael Bqueer busca as questões e os limites entre performance e escultura na criação de criaturas híbridas. O corpo visto como objeto junto a uma poltrona, levantando dúvidas sobre sua autonomia. Durante os 30 minutos de ação, o artista vai progressivamente expondo movimentos e forçando o tecido que o cobre e o prende. No final, o rompimento deste estado-objeto cria diversas leituras possíveis, como metáforas sobre a objetificação e o desejo de sair do estado de enclausuramento social, como no atual cenário de quarentena, na relação corpo-casa.

Rafael Bqueer vive e trabalha entre Rio de Janeiro e São Paulo. Tem licenciatura e bacharelado em artes visuais pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É drag queen, ativista LGBTQI+ e transita por diversas linguagens como performance, vídeo e fotografia.

[livre para todos os públicos]

Em nulonunca gourmet de Alysson Lemos, o corpo assume o papel do bufão, que de maneira gradual traz incômodo ao espectador. Entre as metáforas sobre objetificação e o desejo de sair do estado de enclausuramento social, o corpo é de tudo, menos nulo.*

nulonunca gourmet
(Alysson Lemos, 2020, 5min)

O vídeo é um desdobramento do processo de investigação em bufonaria denominado nulonunca, que explora a figura do palhaço na tensão de um imaginário coletivo e suas outras possibilidades no agir, tendo o riso como disparador de pensamento e ação. Este “pedaço” se põe na brecha entre a cena e a visualidade, explorando outros formatos de composição com base em um processo já desdobrado em outros espaços de interação, gerando um jogo relacional no campo da virtualidade, propondo ação e continuidade do pensamento em movimento com a atualidade.

Alysson Lemos é artista e pesquisador, bufão, mestre em artes pela Universidade Federal do Ceará, integrante do grupo As 10 Graças de Palhaçaria e cocriador do projeto Narrativas Possíveis. Autor do livro Os bufões estão de volta. Desenvolve uma pesquisa multilinguagem com foco em bufonaria.

[livre para todos os públicos]

Além dos questionamentos ao gesto performático, a seleção de vídeos apresenta trabalhos que refletem sobre corpos dissidentes que, através da dança Córnea, de Vi Gabarda ou da poesia E, de Zande e Bianca Sá, querem uma possibilidade de escolhas, não tendo que corresponder à binariedade imposta ao gênero.*

Córnea
(Vi Gabarda, 2020, 3min)

Aqui o trabalho de autocuidado é o da destruição do mundo. Qual a tecnologia de fortalecimento de corpos dissidentes? Todos os espaços têm uma coreografia geopolítica inscrita nos corpos. Como imaginar formas ficcionais para atravessar este momento?
Como conversar sem ser vigiada? É possível criar um discurso sem ter nossos movimentos microfonados e gravados?

(Os processos de performance e captação de imagens, edição e composição da ambientação sonora foram realizados pelos artistas que integram a ficha técnica, em suas respectivas casas, tendo todo o processo criativo sido realizado online.)

Vi Gabarda é travesti performer, artista visual, figurinista, produtora e assessora de imprensa. Com base em perspectivas decoloniais, atua nas encruzilhadas de poéticas visuais e do corpo. Formada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e graduanda em artes cênicas pela Universidade Estadual do Paraná/FAP.

[livre para todos os públicos]

E
(Zande e Bianca de Sá, 2020, 2min)

A letra “E” do artigo sem gênero definido. Num híbrido de videopoema e videoperformance,
a não binariedade é apresentada como discurso. Como é ter o corpo em suspensão social o tempo todo? Como é não ser visto ou não ser compreendido? Como é não caber em nenhuma caixa? Na certeza da ruptura dos padrões preestabelecidos para a construção social de gênero, texto e imagem se somam para aflorar os desejos e provocar a autoafirmação.

Zande e Bianca de Sá é um duo de multiartistas não binaries que desenvolvem projetos artísticos e em arte-educação nas áreas de artes visuais, literatura e música. Memória, território, gênero e outras sutilezas são seus principais temas de pesquisa.

[livre para todos os públicos]

No contexto do isolamento, muitos refletem sobre o abismo a que estão suscetíveis os espaços e os sujeitos. Em Nova Crise Mundial (Kaleb Alex), os integrantes do Duo Reflexo performance encontram-se para dançarem juntos confinados, encenando um sonho lúcido, na fuga do real.*

Nova Crise Mundial
(Kaleb Alex, 2020, 23min)

O trabalho apresenta cenas que são uma mistura de abertura, pensamentos e coreografias
que retratam a atual situação no mundo. Com take único, os próprios erros de gravação foram incorporados às cenas e adaptados às apresentações para passar uma mensagem em tempo real, respeitando as condições de distanciamento social, em casa. Despertar para a dura realidade de um mundo morto é possível e nele pode estar uma revelação do futuro.

Kaleb Alex e Lucas Nanon compõem o Duo Reflexo. Casados há cinco anos, os dois são completamente apaixonados pela mesma coisa, a arte. Iniciaram a carreira participando de projetos sociais realizados nas ruas e em escolas públicas, fazendo da arte seu sustendo com o passar do tempo.

[livre para todos os públicos]

Dentro dessa nova realidade que se cria, em meio à pandemia, o ser humano necessita recolher-se em seu interior. Em Corte em Nós Nova Realidade, do artista Franzoi, o artista passa por um período de reclusão que o leva à um processo de higienização intenso, para ressurgir, tal qual a Fênix, e enfrentar no novo século, essa nova realidade.

Corte em Nós Nova Realidade
(Franzoi, 2020, 3min)

A pandemia da covid-19 submete a população a um corte social, econômico, político e estético em decorrência do fechamento das fronteiras, que impulsiona o fim da globalização, do capitalismo selvagem, da hipermodernidade e da pós-modernidade. O isolamento impõe uma reflexão, um repensar a postura diante da vida e da morte. O ser humano necessita recolher-se ao seu interior, passar por um processo de higienização, de assepsia da alma, e ressurgir, tal qual Fênix que renasce das próprias cinzas, para então enfrentar e sobreviver no novo século, na nova realidade.

Performance realizada em março, período de quarentena, dentro de apartamento em
Joinville (SC). Integra o projeto Mantenha uma distância segura, idealizado pelos artistas Cyntia Werner, Franzoi, Jan M.O., Linda Poll e Sérgio Adriano H.

Franzoi, natural  de Taió (SC), é artista visual, ator, curador, diretor teatral, performer, pesquisador e professor. Graduado em artes pela Univille, pós-graduado em prática social arte pela ECA/USP/Univille. Participou, no Brasil e no exterior, de 22 mostras individuais,
118 coletivas e 69 performances, entre 1989 e 2019.

[classificação indicativa: 12 anos]

Acesse a programação completa do Festival Arte como Respiro.

*Comentários feitos pela equipe curatorial de artes visuais do Itaú Cultural.

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