por Da Quebrada Pro Mundo com Alexandre Ribeiro

 

O verão acabou. As folhas secas se amontoaram por entre meus pés. O vento gelado veio do norte e me arrebentou a face. A frieza norteou o caminhar e, sem opção, tive de seguir. Sozinho, na escuridão e muito longe de casa. No caminho da luz que eu vi: todos nós somos pretos.

Eu sinto sol dades (imagem: Alexandre Ribeiro)

“Eu” é só um corpo no mundo. O movimento contrário ao colonialismo é à migração em massa. Eu sou parte disso. E pela parte enxergo que ser-aqui é estar homem sem-terra.

E vim estrangeirando-me. Foi assim que me atentei ao passageiro. Os pássaros daqui se afinaram diferente. Os passos por assim me ressoaram diferente. Sinto que caminhar longe de casa me fez contemplar a engenharia do caminho. Escute o silêncio das coisas.

O sino toca. Constatei as dores daquilo que nem vivi. São trovoadas peito adentro.

Curvo minha atenção para o lado e reparo a jeitosa arquitetura. É uma igreja gótica – daquelas que os livros da escola estadual só mostravam em preto e branco. Daqui enxergo ela vívida, pulsante. Um grito atravessa meu peito e eu não vou me esquecer.

Se tivesse aqui [na Alemanha] nessa época, teria eu morrido. Ou morrido sem apreciar a beleza ou morrido feito herói rebelde. Negando-me a escravidão e me tornando um rei-negado.

As folhas caem.

O cair me recorda o valor da passagem. A vida é cíclica e passageira. Aproveite o passeio.

Um domingo chuvoso é saudade. A tristeza se identifica-intensifica no multiplicar das distâncias. Minutos se transformam em eras e somente as gotas se saciam em liberdade. No meu peito e na janela elas descem em queda livre.

O cansaço, a fadiga. A sensação de que tudo está ruindo em casa. A certeza de que a culpa é toda sua. É quando tudo se corrompe por dentro.

Saudade é desconexão. Sentir saudade é também esquecer de si. Distanciar-se do efêmero. Mesclar-se ao infinito. Beijar o vento que vem do norte e torcer para que ele mande o recado.

Eu não me esqueci de vocês.

Sentir saudade é celebrar ao ver sua casa pegando fogo. A matéria se foi e o que fica é o abraço. As histórias. A morada. Há morada em qualquer canto – até mesmo num coração desajustado.

O admirável mundo novo ainda não reproduz pureza. Milhas e milhas distantes, nós ficamos por trás da tela de lítio. Os olhos marejados são o amor de todo um universo. É mainha.

Por mais que doído o agora, amar é reivindicar a beleza do futuro. Pavimentar estradas com a esperança de dias melhores. Eu sinto sol dades. O calor da minha terra faz falta.

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