por Fernanda Castello Branco

Morreu na madrugada desta sexta-feira, 3 de setembro de 2021, em São Paulo (SP), de falência múltipla dos órgãos, o ator Sérgio Mamberti, aos 82 anos. Ele estava internado com uma infecção nos pulmões e no último sábado, 28 de agosto, teve de ser intubado. Em julho deste ano, ele já havia sido internado com pneumonia.

Sérgio Mamberti em depoimento para a Ocupação Person, em novembro de 2015 (imagem: frame de vídeo)

Muito lembrado por várias gerações como o Dr. Victor do programa infanto-juvenil da TV Cultura Castelo Rá-Tim-Bum – personagem que viveu nos anos 1990 –, Sérgio Mamberti tinha mais de 60 anos de carreira. Na televisão, seu último papel foi na novela Sol nascente, de 2016, na Rede Globo. Na mesma emissora, em 1988, ele interpretou o mordomo Eugênio, na icônica Vale tudo.

Além da TV, sua forte atuação no cinema e no teatro deixa marcas, aqui lembradas por Valmir Santos, crítico e editor do site Teatrojornal – Leituras de Cena.

“Mamberti sempre se orientou pela arte do teatro, desde a fase amadora na adolescência até os tempos pandêmicos, quando atuou no ano passado numa versão audiovisual de As três irmãs, de Tchékhov, dividindo tela com a atriz Walderez de Barros. Na carreira, participou de experimentos radicais, como ao interpretar o Juiz no espetáculo O balcão, de 1969, encenação do argentino Victor García para o texto do francês Jean Genet, que fabula altas rodas da sociedade num bordel. E atuou em comédias bem-sucedidas, como Pérola, de 1995, e O crime do Dr. Alvarenga, de 2000, vivendo em ambas o personagem Vado, inspirado no pai do autor Mauro Rasi”.

Homem idoso aparece sorrindo levemente, gesticulando com as duas mãos abertas. Ele usa camisa preta, óculos de grau e tem os cabelos lisos e ralos, começando a ficar careca.
Sérgio Mamberti morreu nesta sexta-feira, 3 de setembro de 2021, aos 82 anos (imagem: Rubens Chiri)

Ao Itaú Cultural Sérgio Mamberti deu um depoimento exclusivo, gravado em sua casa, em novembro de 2015, sobre sua amizade com o diretor Luiz Sergio Person, homenageado no programa Ocupação em 2016.

“Quando falamos do Person, é como se ele estivesse aqui. O eco da obra dele é forte, mostrando justamente o vigor da personalidade dele. O Person ficou permanente na vida cultural do país durante todo esse tempo. Como se ele fosse uma pessoa que a qualquer momento estivesse fazendo um novo projeto”, disse Mamberti sobre o amigo, 40 anos depois da sua morte.

O depoimento completo pode ser visto abaixo.

Fachada de uma casa. As iniciais SM aparecem em dois azulejos, pregadas no muro amarelo. A imagem de um homem idoso em papelão enfeita o terraço e pode ser vista da rua.
Casa de Sérgio Mamberti, na Rua dos Ingleses, em São Paulo (SP) (imagem: Cleiton Castello Branco de Oliveira)

Para celebrar suas oito décadas de vida, em abril deste ano foi lançada, pelas Edições Sesc, a biografia de Mamberti, escrita por ele e pelo jornalista Dirceu Alves Jr. Em Sérgio Mamberti: senhor do meu tempo, a vida e a obra do ator são tratadas com franqueza e dignidade. Entre os temas abordados no livro, a bissexualidade: Mamberti foi casado com Vivian Benvinda Behar Mehr, de quem ficou viúvo em 1980 e com quem teve três filhos, e viveu por quase 40 anos com Ednardo Torquato, falecido em 2019.

Luta e gestão cultural

Nascido em Santos, em 1939, Sérgio Mamberti atuou também como gestor cultural. Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), assumiu cargos na área cultural do governo Lula, como a presidência da Funarte, além de ter participado de conselhos ligados à gestão cultural. Uma nota de pesar oficial foi publicada, assinada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Sérgio Mamberti foi um dos maiores atores da história do Brasil, além de escritor e diretor, um homem de teatro completo, e um ser humano de coração e generosidade imensas, sempre disposto a ajudar e lutar pela democracia, pela cultura, pelas causas sociais, a fazer o bem ao próximo. A sua contribuição para a cultura brasileira nos palcos, no cinema, na TV, na Funarte e no Ministério da Cultura, na construção de políticas públicas para as artes nacionais é imensa. Se o povo brasileiro o admirava pelo seu talento, quem o conhecia de perto o admirava pela sua humildade, carinho e inteligência”, diz um trecho da nota oficial.

Ciro Gomes também publicou uma homenagem. “O Brasil perdeu hoje um grande artista, uma grande alma, que encantou diversas gerações. Lutou pelo nosso país, pela democracia e pela arte!”, escreveu , em sua conta no Twitter.

Gilberto Gil, homem negro, com tranças nos cabelos médios, aparece abraçado a Milú Villela, mulher branca, de cabelo loiro, liso e curto, usando vestido laranja, e Sérgio Mamberti, careca, de camisa preta e óculos de grau.
Gilberto Gil, Milú Villela, presidente de honra do Itaú Cultural, e Sérgio Mamberti em 2003 (imagem: Rubens Chiri)

“Sérgio Mamberti fica como exemplo na luta pela arte e pela cultura”, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultual. “A sua generosidade foi tão excepcional que em um momento da sua vida chegou a abrir mão de sua paixão pelos palcos para dedicar seu amor e energia à melhoria da arte e da cultura no Brasil, abraçando a gestão de Gilberto Gil ao ficar à frente da secretaria de diversidade. Ele era inteiro assim e é deste modo que devemos lembrar de Sérgio.”

Terraço de uma casa visto pelas grades de um portão. Há plantas, o sol bate no chão e há a imagem de um homem idoso, em papelão, enfeitando o local.
Fachada da casa do ator Sérgio Mamberti na manhã desta sexta-feira, dia 3 de setembro. A casa fica na Rua dos Ingleses, em São Paulo (SP) (imagem: Cleiton Castello Branco de Oliveira)

O crítico e jornalista Valmir Santos também lembrou a face de gestor cultural de Sérgio Mamberti. “Outra face relevante foi a de gestor cultural, em que colocou em prática princípios de cidadania que aprendeu com a mãe, professora primária. Por uma década, entre 2003 e 2013, Mamberti esteve afastado dos palcos para trabalhar no Ministério da Cultura nas gestões Lula e Dilma, em postos como o de secretário da Identidade e da Diversidade Cultural. Sua equipe implantou uma visão transversal de política pública para o setor, sob perspectiva inclusiva e descentralizadora, atenta aos povos indígenas, quilombolas, mestres e mestras da cultura popular e à população LGBTQI+”, lembra o crítico.

Entre os atores, muitas manifestações de pesar nas redes sociais. Cassio Scapin, companheiro de elenco em Castelo Rá-Tim-Bum, em depoimento ao UOL, afirmou que se foi “o tio Victor de uma geração”. “Sérgio Mamberti foi um homem incrível. Ele trabalhou pelo desenvolvimento da cultura no país. A gente não pode separar o ator Sérgio Mamberti da pessoa e do homem político Sérgio Mamberti”, disse Scapin.

As letras SM em azulejo aparecem pregadas em uma fachada de casa, em muro amarelo. No azulejo, além das letras, há flores coloridas.
As iniciais de Sérgio Mamberti na fachada da icônica casa do ator, na Rua dos Ingleses, em São Paulo (SP) (imagem: Cleiton Castello Branco de Oliveira)
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