A série Centenário da Semana de 22 traz como sétima convidada a artista visual Manuela Navas. Para ela, mulher negra, o novo Modernismo reflete uma preocupação com a representação, por meio do protagonismo daqueles que são representados.
A série estreou em fevereiro e segue até novembro, com conteúdos publicados sempre na última quarta-feira do mês.
Veja também:
>> Série reflete sobre os 100 anos da Semana de arte moderna no site do Itaú Cultural
>> Visite o perfil da artista no Instagram
Acesse a série completa:
>> Fevereiro: Luz Ribeiro
>> Março: Heloisa Hariadne
>> Abril: Amara Moira
>> Maio: Ruy Castro
>> Junho: Vânia Leal
>> Julho: Indi Gouveia
>> Agosto: Miguela Moura
O que seria uma semana de arte moderna 100 anos depois?
Eu fiz dois quadros, estou terminando o segundo agora e pensando nisso. Desde que surgiu o convite de vocês, eu estou pensando. Porque o Modernismo, a Semana de arte moderna, foi uma coisa completamente branca, foi um olhar, uma perspectiva deles sobre o brasileiro. Não é de jogar fora, claro, mas, pensando hoje, o Modernismo 100 anos depois seria completamente diferente. Como artista negra, por exemplo, eu já teria outro olhar para os trabalhadores brasileiros, indígenas e pretos, que eles não tiveram, sem todo o exotismo. As referências, minhas e de outros artistas contemporâneos, não seriam europeias, seriam brasileiras. O Modernismo foi meio assim, não tinha uma característica pictórica ou de escultura, nada que você falasse “Não, aquilo é modernista”, mas era uma ideia mais brasileira, só que do ponto de vista do branco, que pegou a referência europeia. Então, hoje acho que a gente está mais em um olhar ancestral.
De que maneira esse olhar ancestral se manifesta nesse novo Modernismo?
Na minha produção eu não falo disso, mas há vários artistas indígenas que poderiam muito bem falar do Modernismo com a perspectiva deles. Eu e uma geração toda de artistas negros temos o olhar que traz essa ancestralidade, então acho que essa “visitação” à Semana de arte moderna seria mais para mostrar: “Olha, essa foi a perspectiva deles, mas a nossa é esta, totalmente diferente. A gente pode retratar temas de trabalhadores, disso e daquilo, mas é bem diferente.
Eu gosto de pintar bastante o cotidiano. Pessoas comuns, pessoas pobres, que é a coisa do meu entorno. Sou pobre, cresci assim. Só que eu sempre me preocupei em trazer uma postura digna, já que, do meu ponto de vista, ser pobre é muito digno no Brasil. Para mim, é até mais digno do que ser rico, porque, se você é rico num país desigual, por quê?
Então, acho que eu repensaria a Semana de arte moderna a partir das minhas pinturas de um ponto de vista de retratar o Brasil com essa dignidade, que eu já trago nos meus trabalhos, sem exotismo, com a crueza que é, mas me preocupando com isso.
Como suas pinturas retratam esse novo ponto de vista na representação?
Não é porque a maior parte da população brasileira é negra, pobre, que a gente é só trabalho. Os ricos têm muito essa ideia de que a gente é só mão de obra. Neste trabalho [uma pintura com tons terrosos: marrom, ocre, branco, preto, com diversas pessoas negras dançando, em pares, em um salão], eu quis trazer mais essa ideia da diversão e, simbolicamente, do coletivo. É uma coisa que acho muito importante, mas falta a gente pensar no coletivo. A gente fala muito, mas é algo que a gente não faz.
Este outro trabalho [outra obra, ainda inacabada, na qual vários homens negros estão agachados, trabalhando em uma bicicleta] é muito sobre a força criativa da coletividade negra e sobre o trabalho, eles estão consertando uma bicicleta. Pensei muito naqueles quadros de trabalhadores, o da Tarsila me veio à cabeça, o do Portinari. Pensei: “Quero trazer o trabalho, mas de uma forma criativa, coletiva, que também falasse sobre a união”. Porque o Modernismo passado é um estrangeirismo total; mesmo eles sendo brasileiros, eram brancos brasileiros com referências europeias pintando pessoas de quem eles nem estavam por perto.