por André Felipe de Medeiros

Após rodar por mais de 150 festivais em todo o globo e receber 45 prêmios, o curta Piscina (2016) teve seu roteiro adaptado para o formato de longa-metragem, um projeto contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2019-2020. Nos poucos anos que separam sua concepção e a nova adaptação, observaram-se transformações no mundo que dialogam diretamente com a história contada, e também com o seu propósito.

O curta acompanha Claudia, que começa a investigar o passado de sua avó, uma alemã que fugiu da Segunda Guerra Mundial. Por meio de uma carta de amor, ela encontra Marlene, uma senhora também alemã que guarda suas memórias em uma piscina sem água, e que conta a Claudia sobre o passado em comum com sua avó. Entre os temas tratados em meia hora de produção está a formação da identidade conforme a época e o local onde nascem os indivíduos, além, é claro, do romance LGBTQIA+ que permeia toda a narrativa.

Duas mulheres estão em uma piscina. Uma delas está deitada boiando na água, com os braços abertos, enquanto outra está de pé segurando a mulher na água.
Frame do curta-metragem Piscina (imagem: divulgação)

A história e seus ciclos

Falando ao Itaú Cultural, o roteirista e diretor Leandro Goddinho explica que a primeira inspiração para Piscina veio após uma visita ao campo de concentração de Dachau, na Alemanha, em 2012. “Naquele momento, eu tinha pouquíssima informação – quase nada – a respeito da perseguição nazista aos homossexuais”, conta ele. “Na escola, toda vez que se fala de Holocausto, é sobre o genocídio dos judeus, mas existem as vítimas esquecidas, como homossexuais, pessoas com deficiência, ciganos e tantas outras pessoas que também foram para campos de concentração. Nessa visita, vi uma exposição com bastante informação sobre os homossexuais que foram para aquele campo. Quando voltei ao Brasil, comecei a pesquisar mais sobre o assunto e iniciei o roteiro do curta-metragem.”

O autor comenta sua intenção de debater os ciclos históricos, o entendimento “de como as coisas se repetem de forma cíclica no mundo. Porque, na Alemanha pré-nazista, havia uma liberdade muito grande. Berlim era considerada um ‘paraíso gay’ na Europa dos anos 1920, na época dos cabarés e tudo o mais. As pessoas se travestiam e existiam muitos estudos sobre transexuais. Tudo isso foi apagado, destruído, incendiaram os livros e os estudos durante o nazismo”.

Em suas palavras, Piscina foi escrito primeiramente “porque o mundo estava em um momento de ascensão de direitos humanos de uma forma muito bonita. O casamento igualitário estava começando a acontecer no mundo inteiro, as coisas estavam melhorando e parecia que estávamos entrando em uma nova era de mudança muito grande. Então, escrevi o filme para falar sobre esses ciclos e também para começar a entender uma onda de homofobia que estava começando a acontecer no Brasil de forma muito pesada – ela sempre existiu, mas, desde que as pessoas começaram a pedir a volta da ditadura, começou também essa onda muito ferrenha de ódio no Brasil”.

Ao observar o contexto atual, Leandro afirma que Piscina é hoje mais relevante do que nunca: “Entre 2012 e 2015, estávamos vivendo esse momento de ascensão, de efervescência, de muitas pessoas ‘saírem do armário’, e [assim como aconteceu na Alemanha há um século] veio uma onda de ódio muito grande que culminou no que vemos no Brasil hoje: um governo que destrói toda a cultura. Quando escrevi [o roteiro do filme] em 2012, era para comemorar as conquistas de direitos civis LGBTs, e agora ele ganha um outro prisma, de resistência diante do que está acontecendo no Brasil e no mundo”.

Imagem do diretor de cinema Leandro Goddinho. Ele é um homem branco, jovem, com cabelo curto e escuro. Está usando uma camiseta branca e com um fone de ouvido preto no pescoço.
Leandro Goddinho, diretor do projeto (imagem: divulgação)

A adaptação do roteiro

Transformar Piscina em uma produção de maior duração foi um processo bastante natural para a obra, visto que ela foi idealizada inicialmente como um longa-metragem. “Eu sabia que não conseguiria [produzir um longa] naquele momento, principalmente um filme histórico, que seria muito caro”, explica o autor, “então, resolvi fazer um curta primeiro”.

Expandir o universo de Piscina para o novo formato, que traz três histórias em épocas e locais diferentes, segundo Leandro, foi fácil, “difícil mesmo foi transformar essa ideia em um curta, porque a história toda na minha cabeça já existia como um longa, foi muito difícil ser conciso”. Ele conta que a pesquisa para escrever sobre a Alemanha nazista, sobre os anos 1980 no Nordeste brasileiro e sobre a São Paulo de hoje, onde está a piscina, foi bastante prazerosa, em par com o que ele sempre sonhou para a obra.

O desafio agora será filmar o longa-metragem com um aprofundamento maior nas personagens e nos seus temas, e também com a visibilidade muito mais ampla que esse formato costuma ter em relação aos curtas. Diante da atual situação da cultura no país, que não tem sequer um ministério, Leandro enaltece as iniciativas de financiamento que permitiram que a obra acontecesse – antes mesmo de a adaptação do roteiro ser contemplada pelo Rumos, a realização do curta se deu por meio de edital. “Não existe como um roteirista ou qualquer artista parar sua vida para fazer um projeto sem ter qualquer dinheiro por trás”, comenta o autor, para quem “arte e cultura são partes integrais da sociedade e também seus reflexos. Não se vive sem elas”.

Duas mulheres estão aparecem no fundo da imagem conversando. Ao que parece, elas estão em uma piscina vazia.
Frame do curta-metragem Piscina (imagem: divulgação)
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