“Homens Pink” recupera a memória para discutir envelhecimento e sexualidade
08/07/2019 - 15:27
por Duanne Oliveira Ribeiro
“Cheguei à conclusão de que envelhecer nada mais é que acumular memórias. E, depois de certo tempo, ter o ímpeto de contá-las”, afirma Renato Turnes, ator e diretor de teatro, criador, com Milena Moraes, da La Vaca. Ter sido, transmitir a vivência, aprender com o que se escuta – a memória e esses momentos que marcam a nossa relação com ela estão no núcleo do projeto que a companhia desenvolve com o apoio do Rumos 2017-2018: Homens Pink, que retrata o envelhecimento pela ótica de homens gays.
A inspiração para esse trabalho surgiu da experiência individual de Renato. “Tenho 45 anos. Estou, como alguém falou, na ‘juventude da velhice’: naquela zona cinzenta, muito velho pra ser jovem, muito jovem pra ser velho”. Essa condição, conta ele, lhe alimentou com questionamentos, tanto sobre o futuro – “Como vai ser?” – quanto sobre o passado – “Como era antes, como eu me tornei isso que sou?”. Nesse “momento de parada, de tomada de consciência sobre a passagem do tempo”, uma recordação se destacou.
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“Comecei a me lembrar de pessoas que, na minha juventude, quando comecei a sair, a frequentar os ambientes gays, já eram caras mais velhos e a pensar: onde elas estão? Por que essas pessoas desaparecem?”. Essa “invisibilização gradual”, aponta Renato, não apenas é uma “característica de como a nossa sociedade trata o envelhecimento”, como também depõe em particular sobre uma mentalidade que ele percebe no meio LGBT: “Sinto que existe na comunidade certa ausência de reverência, de memória e de respeito em relação a quem veio antes e abriu os caminhos para o pensamento identitário”.
Renato se propôs então a ir em busca dessas pessoas que “apanharam muito, venceram, passaram por épocas muito difíceis, sobreviveram e estão aqui”. Ele, que atua também como documentarista, usa com frequência o documentário como método de criação em artes cênicas. É o caso de Homens Pink: o material para a construção do espetáculo e do produto audiovisual são nove entrevistas gravadas em Florianópolis (SC) e São Paulo (SP). A fase atual do projeto consiste em mergulhar nesse conteúdo, construindo, com ensaios e debates – que abrangem convidados de fora da companhia –, a dramaturgia da peça.
Paralelamente está sendo pensado o documentário. Essa produção tem suas dificuldades próprias, como o proponente explica: “É um gênero muito aberto. Apesar de a gente ter uma ideia inicial, às vezes até um pré-roteiro, o material vai falando por si”. Além disso, Renato está por definir se e como as imagens audiovisuais comporão a peça – ele tem acalentado a proposta de adicionar algumas cenas à montagem.
Potencial de irmandade
Os depoimentos, fala o diretor, reúnem narrativas, personalidades e valores diferentes entre si, mas que possuem pontos de contato. O mais forte entre eles é a “experiência da Aids”. A doença, de perto ou de longe, esteve presente na vida desses entrevistados: “Essas pessoas viveram o começo de tudo, o pânico, e o 'controle' – entre muitas aspas – dos dias de hoje. Todos têm histórias de perdas, quando não de convívio com o vírus mesmo” (saiba mais sobre o avanço, os impactos e o combate ao HIV em níveis nacional e internacional na publicação de 2018 da mostra Todos os Gêneros).
O que guia o contato com essas falas é o desejo de “entendê-las e respeitar seus pontos de vista – que muitas vezes são diferentes dos de uma pessoa LGBT jovem, porque [os entrevistados] foram moldados em outra época, com outro tipo de visão”. Com essa preocupação procura-se, diz o diretor, deixar aberto o espaço de diálogo – ato que, ele ressalta, tem um potencial político, que é o “de entender a nossa história como comunidade, enfatizar a irmandade. Quem é do meio sabe como somos divididos”.
Renato crê, ademais, que o percurso seguido pelo projeto até agora já o marcou: “Houve vários momentos muito fortes, emocionantes”, afirma ele, notando que ir em direção à alteridade o encaminhou a si: “De alguma forma, estou falando sobre mim, estou nesse caminho, estou entre lugares, estou quase junto com eles. Eu me sinto muitas vezes ligado ao que eles estão me contando, sinto que é parte da minha história”.
Nesse sentido, Homens Pink é talvez no fim das contas um modo de nos pormos também nesse lugar, como anseia Renato: “Eu espero que quem veja também sinta isso em algum momento. É uma história comum a todos nós”. A estreia de ambos os produtos – documentário e peça – está prevista para novembro de 2019.