Arqueologia e palhaçaria se encontram em um experimento audiovisual na Caverna da Pedra Pintada
25/11/2021 - 11:00
por Ana Luiza Aguiar
“Uma palhaça entra numa caverna e dá de cara com uns desenhos esquisitos na parede. O que é que ela faz?” Parece o começo de um conto engraçado, mas foi exatamente o que aconteceu quando a atriz e palhaça Marina Quinan viu pela primeira vez as pinturas rupestres dentro da Caverna da Pedra Pintada, no Parque Arqueológico de Monte Alegre, no Pará.
“Ao observar aqueles desenhos, minha cabeça não parava de pensar: o que aconteceria se fossem as palhaças que tivessem pintado aquilo?”, conta. Foi desse inusitado encontro entre arqueologia e palhaçaria que nasceu o experimento audiovisual Começo de engerar caverna, criado pela dupla de atrizes e palhaças Las Cabaças, formada por Marina e Juliana Balsalobre, em parceria com a diretora – e também atriz e pesquisadora – Juliana Jardim.
Inicialmente o trabalho, selecionado na edição 2019-2020 do Rumos Itaú Cultural, previa a criação de um espetáculo de comédia que seria apresentado na região amazônica. No entanto, veio a pandemia de covid-19 e tudo mudou. “Com essa mudança de cenário, a gente não teve como usar a palhaçaria. O projeto mudou, foi para o profundo, para o denso. Foi para um lugar mais sério”, explica Marina. Ela conta que o projeto Mulheres nas cavernas propõe um grande diálogo entre arte e arqueologia e que o experimento audiovisual acabou sendo seu primeiro produto. “Ainda não desistimos de fazer uma versão palhaçaria desse projeto”, diz.
A dupla de atrizes se conhece e trabalha junto há 25 anos, mas nos últimos 13 elas moram em Alter do Chão, distrito de Santarém (PA). As artistas já estavam acostumadas a incluir costumes e palavreados das comunidades ribeirinhas nas suas obras. Engerar é um verbo próprio da região do Baixo Tapajós e do Arapiuns, costumeiramente encontrado na oralidade das pessoas mais antigas. Está ligado a encantarias, espiritualidade, ao ato de gerar-se, transformar-se em algo, como os encantados na cultura dos povos da floresta – espíritos da natureza, que ora são humanos, ora são bichos. Esta foi a proposta final pensada pelo trio de criadoras: experimentar gestos de aproximação com o espaço da caverna, das pessoas que ali moraram, transitaram e que até hoje vivem na região.
O que era para ser um espetáculo teatral se transformou em um estudo sobre conexões arqueológicas e imaginativas, que contou com oficinas de pigmentação, de vivências na floresta e de estudos de sonhos. Tudo registrado em áudio e vídeo – desde os ensaios, exercícios e laboratórios até os workshops sobre lascar pedra e pintar cuias e corpos.
Antes e durante o processo, o projeto contou com a consultoria dos arqueólogos Claide de Paula Moraes e Anne Rapp Py-Daniel, que também moram em Santarém; de Fabíola Rosa, para investigar sonhos e pigmentos; e de Silvana Marcondes, para estudos de sombra, além das experimentações sonoras de Fredi Galante.