Revista Observatório 31 | Nos limites das experiências trágicas do mundo contemporâneo
29/03/2022 - 10:05
por Joel Birman
Resumo
A intenção deste ensaio é problematizar inicialmente as relações entre o campo da saúde mental e as catástrofes promovidas pelo mundo contemporâneo nas escalas brasileira e internacional, destacando, ao mesmo tempo, a produção de traumas psíquicos intensos provocados por tais catástrofes, os quais se manifestam clinicamente de formas diversificadas. Em seguida, pretendemos indicar como as produções artísticas e cinematográficas contemporâneas se inscrevem na economia psíquica das singularidades como práticas sublimatórias, de forma a ser as condições concretas de possibilidade para a elaboração psíquica pelos sujeitos desses impasses existenciais cruciais. Portanto, o conceito psicanalítico de sublimação, enunciado por Freud no início de seu percurso teórico para pensar na economia psíquica das produções culturais, foi o caminho que escolhemos para problematizar como as produções artísticas e culturais coletivas possibilitam aos sujeitos a elaboração de tais acontecimentos desastrosos nas suas existências singulares. Essas são, enfim, as coordenadas e linhas de força fundamentais que me nortearam na elaboração deste ensaio
Catástrofe e trauma
É preciso destacar que a contemporaneidade é diretamente afetada pela questão da saúde mental, em decorrência das múltiplas catástrofes a que estamos expostos na nossa existência cotidiana. Essas catástrofes incidem sobre nós de forma eminentemente traumática, promovendo, assim, a constituição, na atualidade, de uma cultura da catástrofe e do trauma. Como se sabe, a psicanálise, desde os tempos em que se constituiu como saber, enunciou o conceito de trauma para pensar nas perturbações psíquicas.
a contemporaneidade é diretamente afetada pela questão da saúde mental, em decorrência das múltiplas catástrofes a que estamos expostos na nossa existência cotidiana
Porém, tal conceito recebeu uma versão e feição definitivas na segunda década do século passado, quando Freud pensou nas relações existentes entre o trauma e as catástrofes promovidas pela Primeira Guerra Mundial e passou a descrever as neuroses de guerra como primeira versão clínica do que em seguida a psicanálise passou a denominar de neuroses traumáticas, nas quais o dito trauma seria engendrado por diversos acontecimentos diferentes da guerra.
No contexto histórico dos anos 1920, o trauma passou a ser definido pela impossibilidade experimentada pelo sujeito em antecipar um acontecimento catastrófico. Tal questão foi problematizada em textos como “Além do princípio do prazer” e “Inibição, sintoma e angústia”. Na medida em que o sujeito não pode antecipar certos acontecimentos catastróficos, não poderia, assim, se defender do pior do ponto de vista psíquico e evitar o impacto traumático, que assume, então, a forma-limite da ameaça à ordem da vida pelo sujeito.
Mesmo que as ditas catástrofes não incidam diretamente sobre nós especificamente de forma imediata e danosa, podemos acompanhá-las ao vivo e em cores nos noticiários de jornais e de televisão. A mídia nos informa, nos menores detalhes, sobre as mortes e expõe corpos dilacerados, que invadem a nossa rotina de forma frontal e fulminante. Nesse contexto, não se trata mais apenas do sofrimento e da dor a distância, pelos enquadres escolhidos pelos cinegrafistas e pelas agências de notícias. Essas imagens nos atingem bem de perto, pois indicam o que pode nos acontecer a qualquer momento ou num imprevisível tempo futuro, de forma que nós não ficamos incólumes a essas agressões e violências.
As guerras do Iraque, do Afeganistão e, mais recentemente, da Síria, promovidas pelos Estados Unidos e por seus aliados, em nome da difusão de um “ideário da democracia e de oposição ao fundamentalismo islâmico”, delineiam os cenários catastróficos a que foram submetidas tais populações diante de um agressor altamente equipado com armas de última geração tecnológica, em um jogo de forças completamente desigual.
Porém, como se sabe, a principal vítima dessas guerras foi a população civil, principalmente as mulheres e as crianças, abandonadas à própria sorte, quando não foram mortas pelos ataques aéreos dos invasores ocidentais. Contabilizou-se posteriormente por diferentes agências internacionais que, apenas na Guerra do Iraque, foram mortas 100 mil pessoas de forma indiscriminada, presumindo-se que o mesmo tenha ocorrido com as guerras da Síria e do Afeganistão, de maneira que a catástrofe humanitária foi ampla, geral e irrestrita.
Nesse contexto, famílias inteiras foram destroçadas e crianças foram lançadas tragicamente na orfandade, em países sem casas e sem possibilidades de trabalho, de forma que o que restou aos sobreviventes foi a possibilidade de emigrar.
Iniciou-se, assim, a saga dos refugiados oriundos do Oriente Médio em direção à Europa, em busca de melhores condições de vida, norteados pelo imperativo da sobrevivência. Ao mesmo tempo, as populações oriundas da África seguiram rota semelhante, engrossando as fileiras dos refugiados em direção à Europa. A desarticulação promovida pela nova ordem neoliberal globalizada é o imperativo que reúne essas duas populações de refugiados em suas rotas de fuga.
Contudo, mantidos nas fronteiras de diferentes países europeus – com exceção da Alemanha, que os acolheu –, os refugiados vivem nos limites do humano, como animais, destituídos das condições de cidadania de seus países de origem e sem nova condição de cidadania na Europa. Eles vivem como párias, em campos de refugiados, nos limites entre a vida e a morte.
Comparados aos campos de concentração nazista, os campos de refugiados promovem a morte social dessas populações, que funciona como ácido corrosivo de sua saúde mental, promovendo depressão, melancolia, medo e angústia, pela ausência de qualquer perspectiva de futuro.
Assistimos a tudo isso nas nossas televisões, de forma que tais catástrofes têm efeitos traumáticos sobre os refugiados e sobre nós, que, impotentes, não sabemos bem o que fazer em face dessa realidade.
A esse grupo de refugiados somam-se populações da América Central e da América do Sul que migraram para os Estados Unidos em decorrência do desmantelamento social e econômico de seus países promovido pela nova ordem social neoliberal. Mantidas nas fronteiras, tais populações são tratadas como animais pelos norte-americanos, vivendo igualmente em campos de refugiados, sem nenhuma perspectiva de futuro, entre a vida e a morte. Novamente, assistimos a isso tudo igualmente impotentes.
Nas grandes cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro, a mesma situação se repete: comunidades e favelas são atacadas cotidianamente pela violência policial, gerando notícias e imagens que incidem sobre nós de maneira eminentemente traumática, pois sabemos que a violência policial que hoje atinge as classes populares também pode nos atingir futuramente, uma vez que a impunidade marca as forças da segurança pública pelas instâncias jurídicas e políticas instituídas no país, de forma ampla, geral e irrestrita.
Com efeito, o Brasil se transformou, assim, numa terra sem lei. Paradoxalmente, as forças do Estado se tornaram uma ameaça direta, seja individualmente, para as nossas vidas e existências singulares, seja coletivamente, para a democracia brasileira. Isso significa que o Estado brasileiro deixou de existir como tal, uma vez que trata a sua população de forma diferenciada, com dois pesos e duas medidas. Existem na sociedade brasileira duas modalidades opostas de população: aquela cujas vidas são valorizadas e aquela cujas vidas são eminentemente desvalorizadas. A desigualdade é a maior axial que caracteriza de maneira eloquente a sociedade brasileira na sua totalidade.
Como enunciou de forma contundente a filósofa norte-americana Judith Butler, na obra intitulada Quadros de guerra – quando a vida é passível de luto? (Civilização Brasileira, 2015), existe uma fenda radical entre as populações cujas vidas são passiveis de luto e as constituídas por pessoas que não são passíveis de luto. Se as primeiras são reconhecidas como cidadãos do Estado Democrático de Direito, com efeito, as segundas não gozam do estatuto de cidadania. Esse segmento da população não tem seus direitos humanos reconhecidos pelo Estado propriamente dito.
É preciso evocar, ainda, que o sistema prisional brasileiro é o terceiro no mundo em população carcerária, perdendo apenas para os sistemas carcerários norte-americano e chinês. Além disso, tal população prisional é constituída, na sua grande maioria, por pobres e negros, de forma a repetir, assim, de maneira caricata, a desigualdade, a pobreza e a miséria presentes no espaço social brasileiro.
O mesmo acontece nos Estados Unidos, onde a população carcerária é constituída principalmente por negros e pobres, reproduzindo o apartheid racial e o racismo estrutural presentes na sociedade norte-americana.
Existe até mesmo na legislação brasileira uma cláusula segundo a qual o indivíduo que tiver um diploma universitário é alocado numa prisão especial. Assim, o sistema de dois pesos e duas medidas perpassa todo o sistema penal brasileiro, no qual as elites e as classes médias recebem uma proteção especial e diferenciada que não é outorgada às classes populares.
Além disso, as prisões brasileiras se inscrevem num regime penal pré-moderno, como Foucault nos mostrou em História da loucura na Idade Clássica com a constituição dos Hospitais Gerais na Idade Clássica. A superlotação dos presídios deixa essa população sujeita à morte por doenças infecciosas regulares. O sistema prisional brasileiro é, portanto, regulado pela lógica estrita do genocídio das populações pobres.
É preciso evocar, ainda, que as populações carcerárias aumentaram imensamente no mundo inteiro desde os anos 1970, em decorrência da precarização social e econômica das populações e dos seus laços sociais respectivos. Teóricos e especialistas dos sistemas prisionais são unânimes em relação a esse aspecto. Portanto, o crescimento gigantesco das populações carcerárias foi uma consequência da ordem neoliberal, que disseminou a precariedade social, afetando diretamente as classes populares e as classes médias em todo o mundo.
O que implica dizer que a pobreza, a miséria e a precariedade social passaram a ser ostensivamente judicializadas, na medida em que novas tipificações do direito penal passaram a enunciar como crime e delito o que não era assim considerado anteriormente. O incremento exponencial da moral punitiva em escala global, denominada inicialmente de “política de tolerância zero” pelo prefeito conservador Rudolph Giuliani, de Nova York, foi certamente o desdobramento inequívoco das novas normas duras e inapeláveis de segurança pública.
a pobreza, a miséria e a precariedade social passaram a ser ostensivamente judicializadas, na medida em que novas tipificações do direito penal passaram a enunciar como crime e delito o que não era assim considerado anteriormente
Essas normas se enunciaram em princípio como resposta ao medo e à angústia que se disseminaram como rastilho de pólvora nas populações em escala planetária, criando, assim, uma epidemia no campo da saúde mental. Contudo, não obstante isso, é preciso destacar que existe uma evidente seletividade do sistema político na escolha de quem é passível de punição e quem não é, numa reprodução do sistema de desigualdade social promovido pelo neoliberalismo. É preciso reconhecer que o medo e a angústia assumem regularmente um caráter eloquentemente persecutório nas subjetividades, pelas ameaças diretas e reais à vida das pessoas.
Assim, ao lado da depressão, a ansiedade e o medo são certamente os grandes promotores do campo das perturbações mentais produzidas pela ordem neoliberal, em decorrência do desamparo e do desalento.
ao lado da depressão, a ansiedade e o medo são certamente os grandes promotores do campo das perturbações mentais produzidas pela ordem neoliberal
Não é um acaso, portanto, que a depressão tenha sido alçada à condição de enfermidade mais comum do ponto de vista epidemiológico no mundo desde 2018 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ocupando a posição que anteriormente era ocupada pelas doenças cardíacas, as doenças degenerativas do sistema nervoso central e outras enfermidades somáticas. Essa mudança é uma consequência da crise econômica global de 2008, que promoveu grande quantidade de desemprego no campo social internacional, incrementando bastante a precarização econômica e social dos trabalhadores e das classes médias. Com isso, a depressão se alastrou nas subjetividades.
A pandemia do coronavírus, que em fevereiro de 2022 completou dois anos, paralisou e colocou em estado de suspensão a economia internacional, promovendo também um grande estrago na economia psíquica em todo o mundo, com produção de medo persecutório, angústia, incremento do uso de álcool e outras drogas, assim como de depressão e melancolia. Esse quadro psíquico é consequência tanto do terror de mortes quanto dos efeitos danosos do esvaziamento e da redução de laços sociais. Com isso, houve aumento da violência doméstica, o que conduziu ao aumento de divórcios no âmbito internacional. Enfim, a melancolia que se disseminou com a pandemia provocou, ainda, o aumento do suicídio, principalmente entre adolescentes, adultos jovens e idosos.
A pandemia do coronavírus, que em fevereiro de 2022 completou dois anos, paralisou e colocou em estado de suspensão a economia internacional, promovendo também um grande estrago na economia psíquica em todo o mundo, com produção de medo persecutório, angústia, incremento do uso de álcool e outras drogas, assim como de depressão e melancolia
Portanto, as catástrofes internacionais e brasileiras tiveram efeitos traumáticos insofismáveis nas subjetividades. Esses efeitos foram a matéria-prima inequívoca da produção artística e cinematográfica, que possibilitaram, assim, canais de elaboração psíquica e simbólica, como veremos no que se segue de forma esquemática.
Cultura e sublimação em questão
A produção cinematográfica internacional procurou figurar de forma frequente e eloquente esses acontecimentos catastróficos com desdobramentos traumáticos sobre os sujeitos.
A crise dos refugiados passou a ser objeto de filmes e seriados, nos quais se evidenciou o desalento das subjetividades que vivem tais situações extremas, marcadas pela fome e por condições indignas de existência, procurando despertar no público consumidor desses filmes a solidariedade.
As guerras do Iraque, do Afeganistão e da Síria também foram tema de realizações artísticas audiovisuais com muita pujança dramática. Os milhares de mortes de civis e crianças pelo exército norte-americano invasor promoveram também a solidariedade dos espectadores pela exibição nua e crua desse desrespeito aos direitos humanos.
As condições indignas da prisão de Guantánamo também foram alvo da cinematografia internacional, sobretudo a europeia, que procurou mostrar prisioneiros internados sem nenhum julgamento.
A cinematografia sobre crimes e sobre o sistema carcerário, com as iniquidades praticadas pela polícia e pelas forças de segurança carcerária, é uma das mais vastas atualmente, com a produção de inúmeros filmes. Pelo suspense e pela violência, assim como pelas injustiças provocadas pelos policiais com as populações carcerárias, sobretudo as de etnia negra, a cinematografia dita carcerária é uma das que mais se expandiram para procurar despertar a solidariedade do público consumidor com as múltiplas iniquidades promovidas pelas autoridades policiais e carcerárias.
Enfim, o que essas produções artísticas exibem com pujança é como o sistema carcerário é uma escola requintada de produção de criminosos, na medida em que pequenos delinquentes são transformados em grandes criminosos, tendo que fazer parte de facções criminosas pelo imperativo da sobrevivência em tais condições adversas.
Na cinematografia brasileira e em algumas novelas de televisão, realizadas principalmente pela TV Globo, os roteiros tentam valorar a face humana dos moradores de comunidades, na contramão da constante tentativa de criminalização dessas populações pela mídia conservadora, pelas classes médias e pela polícia. Nessas produções, a inferiorização dos pobres e negros ganha, pois, uma dimensão crítica, em uma tentativa de promover uma reparação simbólica com esses segmentos da população.
O narcotráfico, nos seus efeitos sobre a sociedade contemporânea, é um assunto bastante explorado pelo cinema internacional, brasileiro e pelas novelas desde os anos 1970, quando a expansão e a disseminação do uso e do mercado de drogas se incrementaram em proporções geométricas. A catástrofe dos usuários de drogas, com as suas misérias existenciais e suas lacerações subjetivas lancinantes, é descrita com muita riqueza, numa enunciação simbólica de humanização dos adictos, a qual tenta quebrar o tabu e o clichê de que os usuários de drogas seriam “bandidos” e “monstros” como os traficantes, percepções bastante comuns na população em geral. Enfim, a dependência de drogas não é um crime, como foi considerado erroneamente pelos grupos sociais conservadores desde os anos 1970, mas uma questão médica e sanitária, que incide sobre o campo específico da saúde mental dos usuários, de forma que estes devem ser cuidados, e não punidos por isso.
Contudo, excluídas da condição de cidadania pelo pacto social brasileiro na sua existência comunitária, com efeitos traumáticos evidentes, as classes populares buscam dar sentido à sua história pelo relançamento de pautas artísticas, em que a operação psíquica da sublimação se evidencia de maneira eloquente. Da mesma forma, é pelo mesmo mecanismo da sublimação que nós todos, como consumidores de cultura, usufruímos das produções cinematográficas acima destacadas.
excluídas da condição de cidadania pelo pacto social brasileiro na sua existência comunitária, com efeitos traumáticos evidentes, as classes populares buscam dar sentido à sua história pelo relançamento de pautas artísticas, em que a operação psíquica da sublimação se evidencia de maneira eloquente
Com efeito, seja pela música, seja pela dança de forma privilegiada, as classes populares brasileiras e norte-americana ensaiam se enunciar como sujeitos pelo ato de criação e pela afirmação da alegria de viver, para se contrapor, assim, de maneira decisiva à melancolização psíquica dos efeitos catastróficos e traumáticos de suas vidas inseridas nos limites do impossível, pelo Estado e pelas ditas forças maléficas de segurança pública. Constituiu-se, assim, uma forma de pertencimento a um mundo para não chafurdar no que há de imundo e no que há de aniquilante em suas vidas aprisionadas.
Deve-se destacar a importância, neste particular, da cultura hip-hop, uma modalidade de pertencimento coletivo, na qual os negros se enunciam e podem reconstituir a plasticidade de seus corpos de forma rítmica.
Ao lado disso, as artes plásticas nas comunidades periféricas se expandem igualmente com a mesma perspectiva ética, política e estética, com a utilização do lixo como matéria-prima da criação pictórica, na mesma linha de trabalho expressivo e criativo que foi inaugurado nos hospícios brasileiros com a obra de Artur Bispo do Rosário, que é hoje reconhecido como artista pleno nos cenários nacional e internacional.
Não se pode esquecer como o trabalho artístico e as práticas ditas de terapia ocupacional foram vetores cruciais na terapêutica das perturbações mentais em todo o mundo e que tiveram no Brasil um desenvolvimento excepcional, graças ao trabalho sistemático de Nise da Silveira no Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro. Nesse contexto, Nise da Silveira enunciava que, se a arte teve um papel fundamental na constituição do espírito humano desde as origens da humanidade, tais práticas artísticas seriam também cruciais na reconstituição do espírito humano atingido pela catástrofe da loucura. Enfim, o que está em pauta é a operação psíquica da sublimação nas subjetividades.
Nise da Silveira enunciava que, se a arte teve um papel fundamental na constituição do espírito humano desde as origens da humanidade, tais práticas artísticas seriam também cruciais na reconstituição do espírito humano atingido pela catástrofe da loucura
Conclusão
No mundo contemporâneo, os efeitos catastróficos e traumáticos sobre os diferentes segmentos das populações marcados pela precarização foram objeto de produções significativas nas áreas cultural e artística. Essas produções problematizam e sublimam os efeitos deletérios da morte e do aniquilamento dos sujeitos e das coletividades, que se evidenciam no nível clínico pela dor, pelo sofrimento, pela angústia e pela melancolia como marcas inconfundíveis do traumatismo psíquico.
Sem esquecer, é claro, para concluir, como as categorias de catástrofes e do trauma se transformaram também, na contemporaneidade, em questões teóricas fundantes nos discursos das ciências humanas, das ciências sociais e da filosofia.
Como citar este artigo
BIRMAN, Joel.Nos limites das experiências trágicas do mundo contemporâneo: os campos da saúde mental e da sublimação em questão. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 31, 2022. Disponível em: https://www.itaucultural.org.br/secoes/observatorio-itau-cultural/revista-observatorio/experiencias-tragicas-contemporaneo-saude-mental?p=2. Acesso em: .
Joel Birman é psicanalista, membro efetivo do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos e do Espace Analytique (França); professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ; diretor de estudos em letras e ciências humanas, Universidade Paris VII; pesquisador associado do laboratório Psicanálise, Medicina e Sociedade da Universidade Paris VII.
Referências bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
BIRMAN, Joel. O sujeito na contemporaneidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
BIRMAN, Joel. O trauma na pandemia do coronavírus. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.
BUTLER, Judith. Quadros de guerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
FOUCAULT, Michel. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 2019.
FREUD, Sigmund. Le moi et le ça (1923). In: FREUD, S. Essais de psychanalyse. Paris: Payot, 1981.