por Heloísa Iaconis
Há tal clichê que assim diz: “ler é como viajar”. Ainda que gasta, a comparação sintetiza o efeito causado por muitas obras: fazer com que o leitor, página a página, conheça lugares diversos – tanto os reais quanto os fictícios. Dessa premissa surge a edição de fevereiro do Brechas Urbanas, evento que mensalmente traz ao Itaú Cultural discussões acerca do universo citadino. No dia 20, quarta-feira, às 20h, a professora Ana Cecilia Olmos e o escritor Mailson Furtado Viana conversam sobre como as cidades estão representadas na literatura. A mediação do encontro fica a cargo da empreendedora Monique Evelle. Para entrar no espírito do debate ou reavivá-lo em momento posterior, separamos dez títulos que, de alguma forma, dão destaque ao ambiente urbano. Confira a lista.
As Cidades Invisíveis (1972), de Italo Calvino
No século XIII, Marco Polo chega ao império de Kublai Khan após uma jornada de mais ou menos um mês. O viajante passa a descrever 55 cidades ao imperador dos tártaros – que por sua vez deseja criar um domínio semelhante aos locais ilustrados. Um detalhe: as cidades, que levam nomes de mulheres, são imaginárias.
A Alma Encantadora das Ruas (1908), de João do Rio
Em 37 crônicas, João do Rio constrói uma ode à capital fluminense, sem, no entanto, escamotear o problema da exclusão social, realçado durante o processo de modernização do Rio de Janeiro, protagonista de todas as narrativas. O amor pela música, a riqueza do imaginário popular e a violência são alguns dos tópicos presentes.
A Cidade Sitiada (1948), de Clarice Lispector
Lucrécia Neves aposta no casamento com Mateus para deixar o subúrbio de São Geraldo. Quando na metrópole romantizada, porém, a solidão da moça não se sacia, o que constitui certa nostalgia da vila natal. São Geraldo, com seu silêncio tumular, simboliza o jeito sitiado da própria Lucrécia, uma pessoa que não consegue “alcançar a realidade” e não atribui valor ao seu íntimo.
Brás, Bexiga e Barra Funda (1927), de Antônio de Alcântara Machado
No seio da primeira fase do modernismo brasileiro, Antônio de Alcântara Machado elabora um retrato da São Paulo italiana a partir do enfoque sobre bairros que se fizeram redutos dos imigrantes. Trata-se de contos curtos, episódios do cotidiano que, antes da reunião em um volume, eram intitulados pelo autor como “notícias”.
Tratado dos Anjos Afogados (2008), de Marcelo Ariel
Marcelo Ariel nasceu em Santos, mas é em Cubatão onde reside de fato – ele e seus versos. Aquela que foi, nos anos 1980, considerada a cidade mais poluída do mundo se ergue, na poesia em questão, eivada por chacinas, incêndios e desastres outros que acometem a população marginalizada, pobre, à mercê de socos na névoa.
Paris É uma Festa (1964), de Ernest Hemingway
Lançada três anos depois da morte do autor, a obra apresenta a juventude de Hemingway na Paris da década de 1920. Por meio de suas memórias, o romancista reedifica a Cidade Luz em um período em que a Segunda Guerra Mundial era ainda distante. Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pound e F. Scott Fitzgerald despontam nessas lembranças, bem como o objetivo primordial para o futuro senhor dos sinos que dobram: tornar-se um bom escritor.
Luuanda (1963), de José Luandino Vieira
Os três contos salientam a rotina nos musseques, bairros carentes de Luanda. O artista luso-angolano aproxima o leitor dos personagens por intermédio de uma oralidade que mescla o português com expressões em quimbundo, língua local. O município abarca laços familiares, tradições, conflitos raciais e a afirmação de um modo próprio de escrita e de vida – a começar pelo u duplo posto no título.
A Amiga Genial (2011), de Elena Ferrante
Eis o primeiro livro da tetralogia conhecida como napolitana, adjetivo que já indica a importância, para o enredo, da comuna situada no sul da Itália. A história de Lenu e Lila percorre os meandros do tempo e de Nápoles: a trajetória de uma amizade complexa que descortina, concomitantemente, os vícios do ser humano e da cidade (os quais são, na verdade, os mesmos).
A Cidade e as Serras (1901), de Eça de Queirós
José Fernandes, narrador da trama, conta o percurso de Jacinto de Tormes, descendente de fidalgos da pacata cidade estampada no nome do sujeito. Apesar da filiação, Jacinto nasceu e viveu em Paris, emblema do progresso e da civilização, juízos contestados ao longo dos capítulos – tanto que o protagonista encontra a felicidade em um ambiente oposto à urbe tecnológica.
Fervor de Buenos Aires (1923), de Jorge Luis Borges
Em 1921, Jorge Luis Borges retorna à Argentina – em 1914 foi com a família para a Europa, onde estudou. Ao voltar à pátria, deu-se a estreia do escritor: um conjunto de poemas dedicados a Buenos Aires, dos entardeceres à miséria de sua terra. O reencontro do homem com a cidade marca o início de uma ficção fantástica (não apenas no sentido do gênero literário).