Editor do blog About Light, Cassiano Viana tem conversado com fotógrafos residentes em diversos países sobre os impactos, as transformações e o cotidiano durante a crise mundial da covid-19. “Não é sobre técnica ou sobre o ato de fotografar em si. É muito mais uma correspondência com pessoas de diferentes realidades e que têm o olhar, a observação e o registro através de imagens como meio de expressão e forma de materializar os sentimentos nestes tempos de isolamento”, explica Viana.

Olhares sobre a Covid-19, Marco Zero | relato 7
Renata Scafuro – Sintra, Portugal
Medo de não viver

por Cassiano Viana

Portugal confirmou os primeiros casos de covid-19 no dia 2 de março. "Teremos quase de certeza dois casos confirmados. Não aumenta o nível de prevenção neste momento", afirmou naquele dia, em entrevista coletiva, a diretora-geral da Saúde em Portugal, Graça Freitas. "A palavra do momento é tranquilidade", sublinhou. Portugal se tornava, assim, um dos últimos países na Europa Ocidental a registrar casos de coronavírus.

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Portugal foi um dos últimos países na Europa ocidental a registrar casos de coronavírus (imagem: Renata Scafuro)

Antes, em janeiro, questionada sobre a possibilidade de um contágio em massa, Graça Freitas havia considerado que a preocupação era "um bocadinho" excessiva. Comparou o vírus a uma gripe comum e minimizou as chances de ele atingir o país. "Não há grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal. Mesmo na China o surto foi contido. Tudo indica que o surto está controlado, não há motivo para alarme ou alerta", afirmou.

Para o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, a chegada do coronavírus ao país já era esperada. "Era de estranhar que não houvesse nenhum caso em Portugal. Não se deve entrar em alarmismos, deve-se admitir que isto era um fenômeno expectável", declarou.

Renata Scafuro tem 27 anos. Filha de pai brasileiro e mãe portuguesa, nasceu em Lisboa, mas vive em Sintra, a 40 quilômetros da capital. "Pandemia assustadora essa covid-19. Anda a ceifar vidas globalmente, num abrir e fechar de olhos", diz.

"Quando esse bicho apareceu – sim, bicho, um verme horroroso, invisível aos olhos que mata –, primeiramente na China, em dezembro, lembro de estar a ver notícias na TV. Todos ficaram apavorados, os rostos mergulhados em preocupação e medo. Até eu me assustei.”

"Quando as coisas tomaram grandes proporções, foi de arrepiar", recorda Renata (imagem: Renata Scafuro)

Renata se formou em fotografia não faz muito tempo. Enquanto a carreira como fotógrafa não decola, ela trabalha em um supermercado. "Tremi quando o vírus chegou à Europa. E, quando anunciaram que havia chegado a Portugal, fiquei branca, pálida, assustada", recorda. "Estava no supermercado trabalhando. Temi pelos meus pais, irmãos, pela saúde de meus avós e amigos, mas também temi por mim."

No dia 18 de março, era decretado estado de emergência devido à pandemia de covid-19. "Quando as coisas tomaram grandes proporções, foi de arrepiar. Nos primeiros dias no supermercado houve um dissipar imenso. E depois filas enormes devido à distância de segurança imposta", recorda Renata. "Eu via, no olhar das pessoas, o medo e a insegurança espelhados. Estavam assustadas. Rostos tristes e preocupados."

Ela conta que a rotina não mudou muito durante a quarentena. Não pode sair para ver a família e os amigos mais próximos ou ir passear para fotografar. "Tem sido casa, trabalho, trabalho, casa."

Em abril, em um fim de semana de folga, Renata saiu para fotografar a praia de Magoito, em Sintra, a quinze minutos a pé de sua casa (imagem: Renata Scafuro)

Em abril, em um fim de semana de folga, quando finalmente, após dois meses intensos de trabalho, Renata se sentiu capaz de pegar a câmera e fotografar, ela saiu para registrar a Praia de Magoito, em Sintra, 15 minutos a pé de sua casa.

"Caminhei de casa até lá. Deambulei em pensamentos. A rua estava deserta. Quando cheguei à praia, não vi nem ouvi ninguém. Apenas o mar", lembra.

"Aproximei-me para fotografar a vista e as ondas. Senti uma paz. Respirei bem fundo. Precisava. Estava tudo deserto e calmo. Vi duas pessoas lá embaixo na praia. Uma mãe e um filho pequeno. Aquele momento me fez lembrar a importância da família e de quem nos é querido", conta. "Temos de nos unir nesta fase."

Ela conclui: "Quanto ao futuro, não sei. Ninguém sabe. Confesso que não tenho medo. Se tiver de acontecer algo, acontece. Tenho é medo de não viver".

Cassiano Viana (@vianacassiano) é editor do site About Light.

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