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Crescer em uma família que ama música fez com que Luedji Luna também nutrisse esse amor. Quando pergunto sobre seu primeiro contato com a música, ela responde de forma direta: “desde sempre”. Luedji Gomes Santa Rita, nascida em Salvador, Bahia, embora sempre muito musical, começou sua carreira aos 25 anos, cantando timidamente em recitais e lugares pequenos em sua cidade natal. Aos 27, veio para São Paulo carregando apenas uma mala e muita coragem. Coragem para fazer música e se encontrar nesse novo lugar.
Em 2017, Luedji lançou seu primeiro álbum autoral, Um corpo no mundo, onde conta suas vivências e questionamentos como mulher negra e artista baiana. Símbolo de grande representatividade, ela canta sobre pertencimento, amor, ancestralidade e empoderamento feminino. O segundo álbum foi lançado em 2020 enquanto estava grávida de seu primeiro filho. Bom mesmo é estar debaixo d'água, assim como o antecessor, possui faixas que mesclam MPB, ritmos afro-brasileiros e jazz, que buscam resgatar a África ancestral.
Em entrevista ao Itaú Cultural, Luedji fala sobre suas composições, carreira, racismo e maternidade.
Como é seu processo de composição? O que a inspira?
A vida me inspira. Este mundo e como viver esta experiência de ser um corpo feminino e negro no mundo me atravessam. Então, meu olhar sobre o mundo, minhas experiências nele, eu escrevo sobre tudo isso. O processo começa com a escrita. Eu comecei escrevendo muito, não necessariamente havia nome para o que eu estava fazendo. Comecei na adolescência e com 17 anos decidi escrever músicas. Geralmente é assim em meu processo: começo com a letra e depois vem a música.
As letras que você compõe abordam questões raciais, empoderamento feminino, religiões de matriz africana e ancestralidade. Sua arte traz muita representatividade e sei o quanto as opressões vividas e a nós “ensinadas” refletem na vida pessoal e profissional. Gostaria de saber o quanto isso influencia suas músicas e a pessoa que você se tornou.
Escrevo sobre minhas vivências, e essa vivência é atravessada por um monte de coisas, entre elas violências e opressões. Essas opressões acabam vindo naturalmente para o texto, mas não é só isso. Não gosto de reduzir a experiência do corpo negro no mundo ao racismo. Me colocaram num lugar da cantora ativista, que traz alguma representatividade, mas acho que a música é mais de mim do que eu dela. Eu torno e transformo a música que eu canto a partir do que eu sou, e não o contrário. A música já me encontra pronta, cheia de militâncias, baiana e negra.
Ao longo da carreira, como você lidou com a sensação de não pertencimento que o racismo no Brasil impõe?
A sensação de não pertencimento nasce do fato de eu ter nascido brasileira, em um país de maioria negra, e a gente não se ver representada nem politicamente nem na mídia. É complicado pensar que estamos num país que rechaça corpos como o meu, pessoas como eu. Complicado se sentir pertencente a um lugar que não te quer. Essa crise identitária, essa sensação de não pertencimento, acabou se tornando um disco, que é Um corpo no mundo, onde eu adoto um mundo conhecendo meu lugar, o que eu sou.
Como está sendo o período de pandemia e isolamento social para você?
Está sendo um caos, completa falta de perspectiva. Sabe aquela sensação de que nunca vai acabar? Tem essa sensação, tem saudade, saudade do palco, saudade do público, da vida que eu levava. No meu caso que virei mãe, tem o medo, o medo de eu e do meu filho ficarmos doente, da morte.
Em relação à música, mudou tudo. Não estamos fazendo show, então é preciso pensar estratégias para manter o nome sempre circulando, tem uma pressão social e do mercado por novos lançamentos. Os shows on-line também não são a mesma coisa, é outra dinâmica.
Não foi só a pandemia que trouxe mudanças no último ano, você também se tornou mãe. Na gravidez você gravou um disco e com Dayo em seus braços lançou o álbum. Como a maternidade tem influenciado sua carreira e como seu trabalho e arte têm influenciado a maternidade?
Eu tinha certo medo no início, pensando em como iria conciliar, mas veio a pandemia e minha carreira está no stand by. Tenho sido mais mãe do que cantora. Quando eu produzi o disco – Bom mesmo é estar debaixo d'água –, já tinha todas as canções, então não tem nenhuma direcionada para o meu filho, por exemplo. Foi um disco que nasceu antes de ele ser concebido. Foi gravado quando eu estava grávida, mas a composição, as canções, tudo isso já estava pronto.
Agora a música interfere muito na maternidade, o Dayo é supermusical! Ele ama música, ele dança, canta, ele adora! E, definitivamente, por influência minha, por eu cantar e ouvir muita música.
Bom mesmo é estar debaixo d’água é um álbum contemporâneo, que não coloca uma barreira, talvez por isso mesmo tenha um som tão refinado. Para você, como é transitar por esses diferentes estilos?
Eu deixo minha música ser livre, ela quem dita qual vai ser o ritmo, o estilo, a banda. Mas também influenciada pela minha própria trajetória, gosto de dialogar com a África, desde meu primeiro trabalho eu tenho buscado isso. Um corpo no mundo traz esse aspecto de não lugar porque estou falando de não pertencimento e faz sentido não ter um recorte de som, então tem coisas da Bahia, da África, músicas de todo lugar do mundo. E em Bom mesmo é estar debaixo d’água continuo com essa lógica, quero reafirmar essa contribuição da cultura africana na música brasileira e buscar essas outras Áfricas também, acho que bebemos muito pouco dessa África que ficou. Temos muita da que veio, mas pouco da que ficou. Essa busca faz com que minha música saia da zona de conforto.
Quais foram suas inspirações musicais no processo de criação do álbum?
A inspiração é o amor, percebi que estava escrevendo muito sobre amor. Foram anos e anos escrevendo sobre isso e percebi que era o tema que ia abordar nesse novo trabalho.
Conheça a seleção de músicas de Luedji Luna. Aproveite para ouvir a playlist da artista no Spotify do IC.