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Desde que nasceu, Letícia Novaes, a Letrux, está aos prantos. “Sou chorona. Sou hilária também, muito boba, rio de muita bobagem. Sou piadista, mas choro dia sim, dia não.” No início de 2020, então, a cantora carioca lançou Letrux aos Prantos, seu segundo álbum solo, todo dado aos sentimentos e às reflexões sobre a existência. 

“As aproximações [entre os dois primeiros discos] são que eu continuo uma eterna observadora das relações, do amor. E gosto de escrever sobre isso, sobre detalhes”, diz a compositora. Segundo ela, em Letrux aos Prantos há uma ousadia maior no som, tanto pelo uso da voz quanto por aspectos da banda. “Todo mundo ficou numa fissura sonora maior, sem dúvida. A intimidade gera isso também, e é uma delícia”, conta.

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Em entrevista ao Itaú Cultural (IC), a cantora compartilha suas referências na música, fala de como desanuvia a mente estando em casa e indica dez canções e artistas que fizeram e fazem o seu som.

A cantora Letrux posa para foto. Ela está vestindo uma roupa preta. O fundo da foto também preto.
Letrux (imagem: Ana Alexandrino)

Como foi a sua infância? A música sempre esteve presente na sua vida?

Não há músicos ou artistas profissionais na minha família, mas minha bisavó paterna gostava de declamar poemas no meio do almoço, meu pai arranhava violão, e sempre houve piano ou teclado e outros instrumentos em casa. Então, cresci numa casa musical de alguma maneira. Festas, momentos roda de violão, samba-enredo, pagode, música clássica, blues, MPB... Era uma loucura, e eu embarquei intensamente nisso tudo. Com 19 anos, peguei o violão e, sozinha, tentei aprender, com ajuda da internet. Depois de descobrir uns quatro acordes, fiz umas músicas. Bem ruins [risos]. Mas ali começou qualquer coisa mais forte com a música. Quando criança, eu também fazia composições na minha cabeça sobre o livro que tinha lido, sobre alguma brincadeira do recreio, tudo virava uma musiquinha. Para eu decorar uma regra de uma aula chata de química, criava música. Sempre tive a cabeça musical, e isso me ajudou muito. A música me transforma sempre.

De onde vem “Letrux”?

Era meu apelido (ainda é). Letuce também era um apelido e virou nome da minha ex-banda. As pessoas começaram a me chamar de Letuce, e amigos mais íntimos queriam apelidos exclusivos [risos]. Aí o Arthur Braganti começou a me chamar de Letrux. E meus amigos são meus faróis, o filtro deles me é muito caro e importante. Quando fui criar um nome para minha carreira solo, e visto que acho Letícia Novaes muito sisudo e sério, acabei usando o apelido que Arthur me deu. Agora ele já me chama de outras variações. 

Quais são suas referências no universo da música? E suas outras inspirações na vida?

Numa ordem cronológica e nunca de preferência: Maria Bethânia, Caetano Veloso, Marina Lima, Rita Lee, Janis Joplin, Jorge Ben, Nina Simone, Patti Smith, PJ Harvey, Angela Ro Ro, Beatles, BB King, Paulinho da Viola, Bob Dylan, David Bowie, Chaka Khan, Madonna, Lhasa de Sela, Mina, Fiona Apple. Minhas outras inspirações são: literatura (poesia, principalmente) e cinema. Minhas amizades e minha família também são fontes inesgotáveis de inspiração. E sou ultraobservadora. Amo ver como as pessoas falam, gesticulam, escolhem vocativos. O mundo me horroriza, mas também me inspira muito.

Como foi o caminho traçado por você do primeiro disco solo, Letrux em Noite de Climão, para o segundo e mais recente, Letrux aos Prantos. Quais são suas principais distâncias e aproximações?

Em Noite de Climão foi um disco feito com crowdfunding. Tentei passar em alguns editais e não rolou. Foi duro, fiz mil recompensas insanas para poder gravar o disco, foi uma loucura. No entanto, a resposta do público foi maravilhosa, generosa. Geral abraçou o Climão, foi um sonho. No Letrux aos Prantos tive apoio do edital Natura, o que foi muito bom, importante, um alívio neste país que abandona tanto a parte cultural. As aproximações são que eu continuo uma eterna observadora das relações, do amor. E gosto de escrever sobre isso, sobre detalhes. A distância é que talvez eu tenha sido mais ousadinha com minha voz. O Climão é quase todo num tom médio/grave. No Aos Prantos quis dar uma ousada, e acho que minha banda também. Todo mundo ficou numa fissura sonora maior, sem dúvida. A intimidade gera isso também, e é uma delícia.

“Sou ultraobservadora. Amo ver como as pessoas falam, gesticulam, escolhem vocativos. O mundo me horroriza, mas também me inspira muito.”

Você tem estado aos prantos nos últimos meses? Como criar em um período de isolamento?

Desde que nasci, estou aos prantos. Sou chorona. Sou hilária também, muito boba, rio de muita bobagem, sou piadista, mas choro dia sim, dia não. Com tudo, de alegria ou com as notícias do país. O período está terrível, e de fato minha criatividade foi abalada, visto que há um governo que me impede de fazer planos, de ter sonhos. Mas, mesmo na lama, de vez em quando consigo criar algo, não consigo julgar ainda o que vai sair daí. Mas ando compondo coisinhas. Tudo muito embrionário ainda. O período foi bom para eu organizar meu novo livro, Tudo que Já Nadei, que sai agora em março. Poemas, continhos, crônicas, frases, aforismos, muita coisa nova que escrevi nos últimos cinco anos.

Recentemente, você se deparou com algum artista que não conhecia e de cuja obra tenha gostado?

Conheci a banda Tuyo recentemente e pirei. Não conhecia, que absurdo, é muita coisa, mas que alegria ter conhecido. Maravilhoses!

Qual é a melhor forma de desanuviar estando em casa? Como você costuma fazer nascer seus projetos?

Gosto de lavar louça. Acho um momento importante da vida. Organizo minha mente, até faço psicanálise, há algo de muito profundo em lavar sua louça, sujeiras, restos de comida, talhares, copos. É um momento importante do meu dia, de altas reflexões. Meus projetos nascem de muitas formas, e eles são muitos: discos, livros, shows. Há sempre uma ideia que pipoca, uma luz que acende, e aí vou dialogando com banda, produção. Um clipe, show ao vivo, tudo envolve outra pessoa, e vamos trocando sempre. E tentando realizar sempre.

“Desde que nasci estou aos prantos. Sou chorona. Sou hilária também, muito boba, rio de muita bobagem, sou piadista, mas choro dia sim, dia não.”

A cantora Letrux posa para foto. Ela está vestindo uma roupa preta e segura um quadro com uma pintura sua na altura da cintura. O fundo da foto também preto.
(imagem: Ana Alexandrino)

Confira as músicas escolhidas por Letrux. Aproveite para salvar a playlist que montamos com as dicas no Spotify.

1. “Sem fantasia”, de Maria Bethânia e Chico Buarque
Melhor dueto da língua portuguesa. Canção pérola e absurda.

2. “Muito romântico”, de Caetano Veloso
O coro das vozes abrindo a música, Caetano com suas palavras, verbos, predicados, que música mais linda!

3. “Virgem”, de Marina Lima
Música muito emocionante. A parceria da Marina Lima e do Antonio Cícero é muito fértil, essa música resume bem tudo isso.

4. “Luz del fuego”, de Rita Lee
Só uma mulher fodona como Rita para fazer uma música sobre outra mulher mais fodona ainda, como Luz del Fuego. Um rock preciso e tesudo.

5. “Piece of my heart”, de Janis Joplin
Uma voz de outro planeta cantando uma canção intensa, sempre toca fundo.

6. “To be young, gifted and black”, de Nina Simone
Amo que Nina Simone dizia que fazia música clássica negra. E concordo. Gênia. Só ela. Que canção!

7. “Gloria”, de Patti Smith
Essa música me coloca num transe importante.

8. “Rid of me”, de PJ Harvey
Música simples, poucos acordes, voz e guitarra apenas. E ainda assim é dos maiores assombros do final do século XX.

9. “El desierto”, de Lhasa de Sela
A chegada de Lhasa à minha vida mudou tudo, e essa foi a primeira música, primeiro amor, inesquecível.

10. “Heroes”, de David Bowie
Existe qualquer coisa nessa música que, toda vez que eu a ouço, acredito um pouco mais na vida. Sou devota do Bowie.

Na imagem, a cantora Letrux, encostada na parede, aparece com vestido e luvas vermelhas. Ela está com as mãos no peito e batom vermelho. O cabelo dela é curto, um pouco acima dos ombros, e loiro.
(imagem: Sergio Castro)
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