por André Felipe de Medeiros

De registros documentais e experimentações tecnológicas até obras puramente estéticas, a arte fotográfica no Brasil está prestes a completar dois séculos de existência. Em uma época na qual a fotografia está cada vez mais presente no dia a dia da população, há também um crescente interesse pela pesquisa bibliográfica desse assunto, seja no resgate da memória, seja na formação de identidades na extensa e diversa produção brasileira. Foi em meio a isso que surgiu a Base de Dados de Livros de Fotografia (BDLF), cuja missão é “documentar, divulgar, proteger e pesquisar este segmento do nosso patrimônio bibliográfico e fotográfico, contribuindo assim para a democratização da cultura visual”.

“Em certo dia de 2017, eu me perguntei se existia alguma espécie de IMDb [Internet Movie Database, famoso site que indexa a produção cinematográfica de todo o mundo] de livros fotográficos – ou seja, uma enciclopédia digital de publicações. A resposta foi ‘não’”, conta Leonardo Wen, idealizador do projeto. “Até então, só era possível pesquisar sobre publicações fotográficas na internet de forma esparsa, nos sites de algumas livrarias ou editoras especializadas e em algumas plataformas de bibliotecas (como a Biblioteca Nacional Digital) e de coleções (como o FotoPlus). Ainda não existia, naquele momento, uma plataforma que catalogasse, de forma ampla e sistemática, todo o espectro dos tipos de publicações existentes, e que contasse, ademais, com recursos avançados de visualização de publicações. Sendo assim, naquele ano de 2017, comecei a estudar a possibilidade de construir uma enciclopédia desse tipo, imaginando uma plataforma que funcionasse de forma híbrida, como base de dados bibliográficos, biblioteca digital e espaço de reflexão crítica.”

Hoje, a base de dados do projeto já conta com 4.800 títulos de livros fotográficos brasileiros disponíveis para pesquisa pelo público, com 800 outros em processo de revisão e apuração para inclusão no sistema. Quem acessa o site encontra também uma variedade de artigos publicados sobre o mesmo universo dos livros catalogados, além de coleções que organizam alguns deles de acordo com o tema. São as duas únicas áreas do site que recebem algum tipo de curadoria. “Como a BDLF é uma base de dados referencial, não adotamos nenhum tipo de filtro curatorial na composição do nosso inventário. Ou seja, não avaliamos as qualidades estéticas, físicas, conceituais ou históricas das publicações fotográficas a serem documentadas – basta que as obras existam e que circulem para serem documentadas – justamente para que a BDLF seja o mais abrangente possível”, explica Leonardo.

Imagem mostra uma montagem feita com palavras relacionadas ao universo da fotografia. O fundo é cinza com quadros nas cores amarela e cinza.
Base de Dados de Livros de Fotografia (imagem: divulgação)

Pesquisa e montagem do acervo

A BDLF teve seu lançamento no endereço livrosdefotografia.org já em 2020, dois anos após o início da montagem de seu acervo. Naquele momento, o catálogo contava com 300 títulos, todos relacionados à cidade de Brasília e seu entorno, em razão do apoio financeiro recebido pelo Fundo da Arte e da Cultura do Distrito Federal. Em uma segunda fase, até o início de 2021, o projeto recebeu apoio do edital do Programa de Ação Cultural de São Paulo (ProAC), da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, e chegou à marca de 2 mil publicações catalogadas, tendo como foco de pesquisa a produção editorial brasileira dos anos 2010 a 2020. E foi apenas em uma terceira fase do projeto que essa produção relativa aos séculos XX e XXI foi incorporada, com apoio do Rumos Itaú Cultural 2019-2020.

“Nós já estávamos com um fluxo de trabalho bem consolidado”, comenta Leonardo ao relembrar o início dessa terceira fase, “por causa disso, e apesar da pandemia, conseguimos manter um ritmo de pesquisa e catalogação bem avançado, o que nos permitiu superar as metas que havíamos estabelecido no projeto original aprovado pelo Rumos. Prevíamos catalogar um volume de 500 a 600 publicações em 18 meses, mas, em apenas nove meses e meio, conseguimos catalogar mais de 2.900 publicações, totalizando mais de 4.900 títulos em nosso sistema interno (atualmente já são mais de 5.600)”.

“Em função da pandemia, não pudemos desenvolver pesquisas presenciais em todos os acervos que planejávamos visitar, especialmente naqueles localizados fora da cidade de São Paulo. Mas, ainda assim, considero que esse fato não prejudicou muito o andamento geral da nossa pesquisa, pois contamos com a colaboração ativa da comunidade de fotógrafos, artistas, editoras, colecionadores e livreiros, que nos emprestaram inúmeros lotes de publicações para serem catalogados. Além disso, no início de 2022, recobramos o acesso permanente a diversos acervos, entre eles a biblioteca do Instituto Moreira Salles (IMS), a maior coleção bibliográfica da fotografia na América Latina.”

Para além da inclusão dos títulos na base de dados, a etapa com apoio do Rumos contou também com o desenvolvimento “de uma fonte de referência de classificadores – ou seja, um vocabulário controlado adaptado às especificidades materiais, conceituais e estéticas dos livros fotográficos”, diz Leonardo sobre o recurso que está sendo implementado no site. Houve ainda o processo de criar referências para mais de 3 mil fotógrafos, o que resultou no maior inventário on-line de profissionais brasileiros da fotografia. “Também coletamos informações sobre o gênero de cada autor – ainda que essa informação seja de uso interno e não esteja explícita no site –, o que nos possibilita ter uma dimensão da proporção de gênero na comunidade de fotógrafos”, conta.

Uma nova etapa do projeto começará em 2023, com apoio novamente do edital do ProAC. Será feita a inclusão de títulos de publicações fotográficas brasileiras do século XIX e de obras dos séculos XX e XXI que ainda não tenham sido catalogadas no site. Hoje, qualquer autor ou editora pode enviar um e-mail para contato@livrosdefotografia.org para sugerir títulos que ainda não estejam no sistema, bastando informar título, autor, editora (se houver) e ano de publicação. Outros dados complementares são requeridos posteriormente.

Haverá também a incorporação da produção editorial portuguesa contemporânea, por meio de uma parceria com pesquisadores lusitanos. “Nossa meta de curto prazo é manter a base de dados sempre atualizada; e, no longo prazo, ir expandindo nosso raio de ação para outros países latino-americanos e ibéricos”, conta o idealizador.

Fotografia colorida de Leonardo Wen. Leonardo é um homem de origem asiática, com cabelo no tamanho médio e na cor preta, além de um cavanhaque. Leonardo veste uma camisa cinza e está em frente a uma prateleira cheio de livros.
Leonardo Wen, idealizador do projeto Base de Dados de Livros de Fotografia (imagem: divulgação)

Sobre livros de fotografia brasileiros

Com um catálogo tão abrangente e detalhado, a Base de Dados de Livros de Fotografia oferece aos pesquisadores novas perspectivas sobre o mercado editorial nacional de hoje e de antigamente. “A produção editorial da fotografia brasileira sempre foi muito vasta e diversa”, comenta Leonardo, que destaca que “é notável, por exemplo, que o volume de produção cresce exponencialmente ao longo do tempo. Até o momento, catalogamos aproximadamente 1.000 [obras] publicadas em todo o século XX, 1.100 dos anos 2000, 2.800 dos anos 2010 e mais 700 de 2020 até hoje. Esses números acompanham a evolução contínua das tecnologias de captura de imagem e dos processos de impressão, que impulsionam, de forma vertiginosa, a produção de publicações”.

“Um dos desafios desse projeto era fazer com que o nosso inventário abarcasse não somente o catálogo das editoras de médio e grande porte, mas também o segmento da produção editorial independente, incluindo as editoras de pequeno porte e as edições de autor. Também documentamos os livros-objeto (que muitas vezes são exemplares únicos), e materiais como os zines fotográficos (que em geral são publicados de forma artesanal, em baixa tiragem e sem ISBN). Na pandemia, as publicações digitais também se multiplicaram. Atualmente, cerca de 10% das publicações indexadas na BDLF estão disponíveis na íntegra, em formato PDF, e 5% podem ser vistas em vídeos”, esclarece Leonardo.

“Apesar desse enorme volume de produção e do evidente interesse que há em produzir e consumir publicações na comunidade fotográfica, também é verdade que a circulação de publicações encontra vários gargalos, a começar pelos preços para a produção de publicações de qualidade. Por outro lado, multiplicam-se as feiras de publicações impressas e independentes, assim como os festivais de fotografia, que são pontos focais importantes para a difusão de publicações”, conclui.

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