por Milena Buarque e William Nunes

Falar em ciência, arte e sociedade, no momento atual, parece ser algo muito cotidiano. Mais de um ano depois do início da pandemia de covid-19 e com a vacinação da população, enfim, em andamento, o papel da ciência em todo este contexto pandêmico foi e continua sendo tema central de vários questionamentos – esteve presente, por exemplo, em nosso Seminário arte como respiro de março passado. 

Contudo, nem sempre foi assim. Ainda hoje é necessário ressaltar a importância – e a presença – da ciência em todas as esferas sociais, em todas as áreas de expressão. “É um assunto que, nesta pandemia que estamos vivendo, está sendo discutido – o papel da ciência, do governo na questão da ciência, da economia na ciência, o papel das pessoas que devem decidir, ou não, se devemos tomar ou não uma vacina”, comenta Carlos Palma, ator, diretor e um dos fundadores do grupo teatral Núcleo Arte e Ciência no Palco.

Se arte, ciência e tecnologia provam que podem andar juntas para o bem-estar humano, como a ciência apareceria no palco? Mais do que isso, como torná-la mais acessível? Criado em 1999 por Palma e Adriana Carui, o Núcleo Arte e Ciência no Palco investiga essas questões sob a ótica do teatro. O grupo traz montagens que não só dão vida a gênios como Albert Einstein, Charles Darwin, Werner Heisenberg e Leonardo da Vinci, como também aborda as implicações e os conflitos éticos que esses personagens – e seus feitos – tiveram na sociedade. “Esses grandes cientistas, ao envelhecerem, começam a virar filósofos, começam a falar sobre a existência nossa, e eles têm vários escritos filosóficos sobre a nossa vida, dessas conexões que a gente tenta estabelecer.”  

A programação de julho do Cena agora trouxe artistas e convidados para falar a respeito de arte e ciência  – saiba como foi aqui. Na entrevista abaixo, Carlos Palma fala sobre a história e o trabalho do grupo e explora as questões éticas da ciência e do conhecimento.

Foto do espetáculo Einstein, que mostra um ator caracterizado como o famoso físico teórico Albert Einstein, um homem branco de cabelos grisalhos, e com um bigode. Atrás dele uma lousa com exercícios matemáticos.
Einstein (1998), de Gabriel Emanuel, espetáculo que deu origem ao grupo (imagem: divulgação)

O Núcleo Arte Ciência no Palco foi criado no final da década de 1990, tendo o espetáculo Einstein como pontapé inicial. Como o grupo surgiu e qual era o seu propósito naquele início?

É importante falar que não temos nenhum envolvimento com a área científica, no sentido de ter alguém que seja físico, químico etc. Somos atores, diretores de teatro e produtores. Tudo começou quando estreei Einstein, em 1998, um texto muito interessante que eu e a Adriana Carui – que faz parte do grupo até hoje – produzimos.

O fato é que a peça ganhou repercussão, inclusive com premiação – eu ganhei o Prêmio Mambembe de melhor ator –, e daí pessoas ligadas à educação começaram a se aproximar para ver que peça era essa sobre Albert Einstein. Até que no ano seguinte, em 1999, fui convidado a participar de um evento internacional da Casa da Ciência, uma extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) voltada à divulgação científica. Eles descobriram Einstein e fizeram o convite para que fôssemos nos apresentar na abertura. Como nós tínhamos interesse em levar a peça para o Rio de Janeiro, conseguimos fazer uma permuta: eles nos deram o espaço por um mês para a temporada.

Fizemos a apresentação na abertura do evento e, então, durante um mês – depois estendemos mais 15 dias diante do sucesso –, assisti a palestras de físicos e pessoas ligadas à educação.

O ator sempre está pensando qual será a próxima peça, porque é tão curta a vida de um espetáculo teatral. Eu estava com essa mesma aflição. Um dia, indo para a Casa da Ciência com a Adriana, falei: “vamos fazer o seguinte, não vamos pensar num próximo trabalho, montar Shakespeare, montar Brecht, não. Vamos criar um projeto falando daquilo que Einstein está dizendo na peça”.

E do que falava Einstein, para além da vida e da obra do cientista?

Einstein é um monólogo que dura uma 1h10 e no qual se tem uma ideia muito ampla da vida dele. Mas o foco, no texto, é a questão ética da ciência porque a teoria de Einstein – E = mc2 –, que é a conversão da massa em energia, é o que dá origem à bomba atômica. E ele ficou muito amargurado durante a parte final da sua vida por ter assinado a carta para Franklin D. Roosevelt, [presidente dos Estados Unidos em 1939],  pedindo que financiasse a construção da bomba atômica. Outros cientistas fizeram esse mesmo pedido, mas não foram levados a sério. Era preciso a assinatura dele para que Roosevelt financiasse o Projeto Manhattan.

Essa é uma dor enorme que Einstein viveu e, naquelas conferências que eu assistia, o que estava sendo colocado era principalmente isso: qual a relação da ciência com a sociedade, com a política, com o mundo e com as pessoas? Esse é um assunto sem fim, um assunto que hoje, nesta pandemia que estamos vivendo, está sendo discutido – o papel da ciência, do governo na questão da ciência, da economia na ciência, o papel das pessoas que devem decidir, ou não, se devemos tomar ou não uma vacina.

Essa questão é e sempre foi importante na vida dos seres humanos e, no caso do Núcleo Arte Ciência no Palco, ele nasce com esse princípio: temos de fazer um teatro que mostre a confluência da nossa vida diária, da nossa existência como pessoas e das nossas relações com o conhecimento científico. Os textos das peças revelam a pertinência dessa relação do conhecimento científico com a nossa vida, lembrando que o conhecimento científico tem duas pontas: a teoria e a prática. As duas são voltadas para a ciência e para a nossa vida.

Assim nasceu o projeto. Nós temos uma característica pragmática, um objetivo e um foco, porque não dá para fazer uma peça sobre questões sociais uma hora e e noutra falar sobre questões de amor entre as pessoas. Nós estamos conversando por uma tela, isso é ciência. A evolução do ser humano aconteceu pela curiosidade, pela observação e pela dedução.

Qual era a sua ligação com a ciência no período em que o Núcleo surgiu, para além do interesse em montar a peça Einstein? E quais eram as referências que vocês tinham no teatro? O assunto estava presente em outros grupos?

Nunca tive relação com a ciência, sempre fui um péssimo aluno de matemática ou de física. A minha formação é em artes, minha ligação é com as artes visuais e o teatro, que sempre me acompanharam desde a minha adolescência. Ciência era outro mundo, fora da minha realidade – e acho que da maioria das pessoas. 

É curioso lembrar que, naquela época, as bancas de jornais tinham pouquíssimas publicações relacionadas ao conhecimento. Não tínhamos a revista Galileu, nem a revista Pesquisa Fapesp [da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], só a Superinteressante abordava questões do conhecimento. Era um assunto para poucas pessoas interessadas, mesmo para os estudantes ainda era um assunto ligado à sala de aula.

Então, de fato, em 1998, quando a gente estreou Einstein, éramos absolutamente inovadores nesse sentido. Em 2000, fizemos a nossa segunda peça, um espetáculo infantil sobre Leonardo da Vinci, e, em 2001, Copenhagen, nosso grande espetáculo – este um texto importante, em inglês, do autor Michael Frayn.

Quando começamos, não tínhamos referência de ninguém. Muito tempo depois, surgiu o grupo da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, que tem o maravilhoso Museu da Vida. Isso trouxe uma enorme responsabilidade no sentido de sempre se preocupar em relacionar a sociedade com esse conhecimento.

O que mais mudou de lá para cá, nestes mais de 20 anos? No sentido de difusão do conhecimento, mas também da relação entre a arte e a ciência que se tem hoje no palco ou em outras plataformas?

Não sei dizer ao certo, mas poucos grupos se aproximaram desse tema. Tem o pessoal da Fiocruz, como disse; em São Carlos (SP), tem uma professora maravilhosa com um grupo de teatro também dentro da universidade; tem o Leonardo [Moreira, ator e diretor de teatro, coordenador do Projeto Ciênica], de Macaé (RJ), que participou da programação Cena agora do Itaú Cultural. Tem também a Companhia Delas, da Thais Medeiros, que também esteve na programação do Cena agora. O grupo é maravilhoso, já tinha visto dois espetáculos, sendo que um falava de conhecimento científico para crianças. 

Muitos grupos falando de ciência hoje estão ligados à escola e à universidade, porque eles têm um compromisso, obviamente, de divulgar a ciência dentro do ambiente escolar. 

O nosso caso não é esse, é bom que a gente diga. As escolas têm uma preocupação de ensinar, nós temos uma preocupação de mostrar o conhecimento, mostrar a evolução do conhecimento, como ele se insere nas nossas vidas. É outra coisa.

Por exemplo, quando você monta Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, você está falando de conhecimento científico e de ética da ciência. Mas são montagens esporádicas. Algo consistente e persistente como a gente não conheço.

Apesar de não ser a essência do Núcleo, há uma promoção do conhecimento científico. Qual é o papel da didática nesse cenário, pensando nessas peças que promovem a educação? Em algum momento houve esse tipo de pensamento ou algum anseio, nesse sentido, de ir por esse caminho? Ou desde o nascimento do grupo já se tinha a ideia de não ir para o lado educacional?

Desde o início nós pretendíamos nos afastar da questão didática, por ela estar ligada aos educadores, que possuem compromissos com ensinamento das questões científicas das diversas áreas. Nós não temos essa formação pedagógica, o que temos é a preocupação de mostrar para o espectador quem é aquele personagem que estamos encenando. 

O que importa é mostrar que somos muito mais do que glândulas, veias, sangue, músculos, nervos, somos seres pensantes, e é isso que define o ser humano. O ser humano não se define pela constituição do seu organismo físico, porque então seria qualquer animal. Nós somos seres pensantes, capazes de desenvolver questões simbólicas, e isso é o que nos interessa.  

Quando [Charles] Darwin fala que a evolução das espécies aconteceu através da luta pela vida – as espécies evoluíram porque há uma competição na vida –, isso se transforma no título do nosso trabalho A extinção é a regra e a sobrevivência é exceção. A questão religiosa na vida de Darwin foi cruel, ele demorou 20 anos para publicar A origem das espécies porque era de uma família importante de cientistas e religiosos fervorosos.

Veja como se conectam o conhecimento, o pensamento humano e as questões simbólicas. Como é que essas coisas se cruzam? Essa é a base do trabalho do Núcleo.

Imagem do espetáculo Copenhagen, encenado em 2011 pelo Núcleo de Arte e Ciência no Palco. Dois atores e uma atriz estão na foto. Um homem está sentando e o outro ajoelhado na sua frente. Atrás do homem sentado, a mulher está de pé.
Copenhagen (2001), de Michael Frayn (imagem: divulgação)

Você poderia falar um pouco sobre a peça Copenhagen, do britânico Michael Frayn, que o Núcleo trouxe para o Brasil?

Em Copenhagen, por exemplo, primeiro sabemos que a matemática é tudo, é a linguagem da natureza. Tudo tem de dar certo. [Werner] Heisenberg, físico alemão, ao analisar aquele momento, logo depois de Einstein, na década de 1920, começa a observar os elétrons ao redor do núcleo de um átomo e vê que a conta não bate. O movimento dos elétrons é uma loucura. Até brinco dizendo que, se você aquece um átomo, o elétron começa a mudar de órbita. É a mesma coisa quando você está nervoso, você muda a ordem dos elétrons da sua cabeça e fica louco, mas você não consegue explicar direito.

O que quero dizer é que Heisenberg insistiu numa incerteza do mundo subatômico, e essa incerteza contrariava todo o determinismo científico daquele momento. Daí surge a estatística, as possibilidades para reduzir ao mínimo o erro em um cálculo científico, e assim cria-se a incerteza. Muito bem, isso é a física.

E o que isso tem a ver com a vida do Heisenberg? Ora, o indivíduo genial que ganhou o Prêmio Nobel em 1932, aos 31 anos, atuou no programa nuclear de Hitler. Na peça, o autor Michael Frayn pega essa história da física quântica, essa impossibilidade de ter uma certeza matemática, para buscar a razão da participação de Heisenberg no projeto nuclear de Hitler. 

Heisenberg, historicamente, não aborda essa questão. A única desculpa que ele dá é que precisava preservar a ciência alemã, que era a grande ciência do mundo naquele momento. Frayn pega a questão da incerteza da mecânica quântica e a coloca na minha vida, na sua vida, a gente vive uma instabilidade também. As razões pelas quais a gente decide as coisas não são totalmente matemáticas.

Em Copenhagen, era algo perturbador. O espectador via a construção dramática em que havia uma descontinuidade de tempo, pois a peça começa quando eles já estão mortos. E eles resolvem conversar de novo para tirar a dúvida de um encontro que tiveram, quando Heisenberg tentou se explicar e não se explicou. A construção dramática da peça deixava as pessoas extremamente perturbadas ao verem que esse gênio serviu a Hitler. Com toda essa capacidade dedutiva que Heisenberg tinha dos fatos, poderia ter deduzido que Hitler era louco, que fez isso e aquilo… e ele era o chefe do programa nuclear.

Então, essa relação da ciência com a vida é o que interessa para o Núcleo. O que isso tem a ver com a minha vida, com a vida das pessoas que vão assistir a esse espetáculo. Se você assistir a um espetáculo nosso, vai possivelmente entender o conceito científico que existe ali, mas vai ficar perturbado em fazer uma autoanálise de como esse conhecimento está na sua vida. Claro que a escola interessa, um professor assiste nosso trabalho e diz “nunca pensei em explicar para os meus alunos de uma maneira tão simples uma coisa tão complicada”. Depois eles levam um grupo de estudantes, o que facilita ao professor desenvolver a didática dele para aquilo que ele tem de ensinar.

Pensando em Einstein, Darwin, Da Vinci e tantos outros grandes nomes da ciência já citados por você: como abordar esses personagens, trazendo aspectos mais humanos às trajetórias dessas narrativas?

Há uma grande dificuldade de encontrar dramaturgia boa para isso. Se você olhar o nosso repertório, temos dois textos do Oswaldo Mendes, que são a Dança do universo e Insubmissas mulheres da ciência. Tem duas montagens que são duas criações coletivas que fizemos, uma chamada A culpa é da ciência, que é em cima de um livro de um norte-americano chamado Joe Nesbitt, sobre intoxicação tecnológica, e a outra é uma criação coletiva sobre o mito de Prometeu, chamada Prometeu despedaçado. Fora isso e os infantis, são textos internacionais. Com os ingleses, nós montamos Copenhagen, After Darwin, um texto incrível sobre Alan Turing, que é o pai do computador, e Oxigênio

Não é porque são da terra de Shakespeare, é porque eles estão preocupados com a sobrevivência. Não a sobrevivência da arte, mas em sobreviver como um país poderoso. Os ingleses, veja o poder que eles têm, estão preocupados com o progresso, com a evolução.

Participei certa vez de uma oficina, no Rio de Janeiro, desenvolvida pela Casa da Ciência, com dois diretores ingleses que fazem trabalho de treinamento com professores para o ensino de ciências. Saí de lá boquiaberto: que criatividade e que inteligência! E a preocupação social deles, porque eles sabem que uma sociedade que não tem conhecimento vai ficar na miséria, como a nossa.

É preciso ser muito criativo e, principalmente, construir metáforas. Tenho de construir uma metáfora entre esse fato científico e o dia a dia em casa, com a mulher, a filha, os amigos. Preciso fazer essas conexões metafóricas, porque, se não consigo fazer isso, abandono logo e falo: “é tão complicado, vamos falar de relações de amor”. 

Na questão da ciência, é difícil. É preciso ter coragem de investigar, de se apaixonar por determinado personagem da ciência; e a gente poderia não falar de personagens da ciência, falar só do conceito científico, porém o personagem é sempre um ícone que chama você a tentar desvendar o que aquela pessoa elaborou para o nosso bem.

Você disse que não tinha uma ligação especial com a ciência e com as disciplinas científicas. Gostaria de saber se e como, em todos esses anos com o Núcleo, a sua relação com o tema mudou, pois, com certeza, conhecimento você reuniu e pesquisa, aprofundou.

As nossas relações começaram a se estabelecer muito no Rio de Janeiro, com a Casa da Ciência, pois foi lá que nasceu a ideia, e mantemos uma relação muito próxima com eles até hoje.

A nossa história com o ambiente científico se dá muito através de pessoas, por exemplo, Ildeu de Castro Moreira, que é o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Foi o Ildeu que, professor de física da UFRJ, me falou de Copenhagen, porque ele é o maior conhecedor de divulgação científica do Brasil.

Aqui em São Paulo, temos uma relação muito legal com alguns professores ligados a universidades públicas, como João Zanetic, Nélio Bizzo, Luiz Carlos Santos e Ubiratan D’Ambrosio, que acabou de falecer e nos acompanhava o tempo todo. Essas pessoas, além de serem cientistas, professores, educadores, sabem que a cultura tem de estar próxima a esse conhecimento das exatas. E eles, reconhecendo o valor do nosso trabalho, ajudaram muito com palestras em diversos momentos da nossa trajetória.

E sobre livros: o que você reuniu ao longo das décadas e que serve de referência para o trabalho de vocês?

Tenho aqui uma pequena biblioteca que montei com livros de ciência – livros de ciência nada didáticos.

Em livrarias, você encontra livros que falam de divulgação científica e de pessoas. Esses grandes cientistas, ao envelhecerem, começam a virar filósofos, começam a falar sobre a existência nossa, e eles têm vários escritos filosóficos sobre a nossa vida, dessas conexões que a gente tenta estabelecer.

E as biografias, muitas biografias. A do Heisenberg, por exemplo, chamada A parte e o todo, é um livro de filosofia quando ele fala da vida dele. Sobre Einstein nem comento, pois a quantidade de biografias e coisas sobre ele é imensa. Se pegar qualquer obra a respeito, você fica aturdido com o pensamento claro que ele tem sobre a vida, sobre as pessoas, sobre as políticas, sobre tudo.

A teoria da relatividade é um livro pequenininho e você o encontra, mas o cara é tão peculiar que escreve na introdução: “qualquer aluno do segundo grau é capaz de entender o que vou escrever”. É difícil, não é fácil entender a curvatura do espaço, do tempo, da relatividade restrita geral, não é fácil.

A origem das espécies, do Darwin, tenho aqui e é interessante observá-lo, porque Darwin era um poeta. Se você pegar a viagem que ele fez no Beagle, que começou lá [na Inglaterra] e deu a volta pela África, desceu, passou pelo Brasil, subiu e foi até o Equador em cinco anos, é muita poesia que você encontra.

Esses grandes pensadores, esses grandes cientistas se tornam, com o passar do tempo, filósofos e escritores, porque já se desprenderam da objetividade da ciência e procuram buscar exatamente as metáforas.

Imagem do espetáculo Insubmissas-Mulheres na Ciência, encenado em 2015 pelo Núcleo Arte e Ciência do Palco. A imagem mostra quatro mulheres, atrizes caracterizadas de cientistas, sentadas no chão. Elas olham diretamente para a câmera.
Insubmissas-Mulheres na Ciência (2015), de Oswaldo Mendes (imagem: divulgação)

E como você avalia as possibilidades do virtual para o teatro? 

Tenho visto algumas coisas de teatro. É um grande quebra-cabeça, é um desafio para a produção, é um desafio para o diretor. 

Se estou vendo uma peça no teatro presencial, não posso desembrulhar uma bala, pois se ela fizer barulho, vai atrapalhar o ator e, se eu precisar levantar para ir ao banheiro, vou atrapalhar a pessoa para pedir licença, para passar pela fileira. Então, o respeito pela obra é muito grande no presencial.

No virtual, esse respeito é relativo demais, porque se eu não me interessar nos primeiros cinco minutos, vou mudar, vou ver outra live, outra peça de teatro.

Sei que temos de aprender essa tecnologia, como criar e mostrar coisas, porque, de certa maneira, isso vai continuar. Mas é preciso aprender como fazer, saber o tempo de duração, por exemplo. Se você não aguenta ficar mais de uma hora assistindo a uma peça de teatro numa live, você vai embora, desliga, vai fazer outra coisa.

Todas essas coisas envolvem esse aprendizado que todos nós devemos ter neste momento terrível. Não vejo nada de positivo nesta pandemia.

Aproveitando o tema, Carlos, como o Núcleo viveu e está vivendo 2020 e 2021, como este período tem impactado não só a produção, mas também a elaboração das ideias?

É uma angústia enorme. Eu estou aqui no bairro da Mooca, em São Paulo, a casa é grande, onde faço trabalhos de arte. E por que elaborar projetos? Para buscar editais públicos. Já era assim antes da pandemia, pouca gente vai ao teatro, as bilheterias são ridículas, então você precisa dos editais para poder produzir e sobreviver minimamente.

Eu já estou velho, mas quero ver o jovem. E ele vai sofrer, pois cada escola de teatro solta 20, 30 formandos como atores. E como eles vão fazer? 

O teatro é importantíssimo, pois coloca os conflitos humanos numa arena, num palco e vamos tentar entender como nós somos.

Somente em momentos graves como este que estamos vivendo é que a ciência se torna protagonista. Neste momento, estão olhando para a ciência e dizendo: “olha que importância tem o conhecimento humano, a obstinação de pessoas querendo salvar as outras”.

Acho que é o tempo de todos refletirem e repensarem a sua posição diante do conhecimento, valorizar aqueles que estão lá no hospital, colocando a vida em risco, os médicos, as enfermeiras, os ajudantes, os motoristas das ambulâncias. Todas aquelas pessoas estão no ambiente da ciência, estão arriscando as suas vidas.

A gente tem de acordar o povo brasileiro para os valores da ciência.

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