“O Brasil que lê é formado por gente que sonha e que faz”, diz Gilda Carvalho
03/03/2022 - 11:30
Nos dias 8 e 9 de março de 2022, profissionais envolvidos com a questão da leitura (de professores ao escritor Luiz Ruffato) se reúnem em um webinário que visa apresentar e discutir os resultados da pesquisa O Brasil que lê. O levantamento surge de uma parceria entre o Itaú Cultural (IC), o Instituto Interdisciplinar de Leitura (iiLer)/Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e a JCastilho Consultoria. Para que o público já possa se familiarizar com os pontos a ser debatidos no evento, Gilda Carvalho, mestre em literatura e diretora do iiLer, responde a oito perguntas sobre o trabalho empreendido por ela e demais pesquisadores. Confira a entrevista
Veja também:
>>Webinário analisa os resultados da pesquisa O Brasil que lê
>>Leia a pesquisa O Brasil que lê
Quando teve início a divulgação da pesquisa O Brasil que lê? E como se deu esse processo?
O lançamento da pesquisa aconteceu por meio de um evento transmitido pelo canal da Cátedra Unesco de Leitura no YouTube em 9 de novembro de 2020. O encontro on-line contou com a presença das instituições parceiras e com a apresentação dos objetivos e das formas de participação dos projetos.
Após esse evento, a divulgação foi intensificada nas mídias sociais (por meio de vídeos produzidos pelo iiLer) e tradicionais (contato com assessorias de imprensa). A Rede de Pesquisa Avançada em Leitura (Reler), associada à Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio e presente em 23 estados brasileiros, mobilizou-se regionalmente para a divulgação. Também secretarias de Cultura e Educação e redes de bibliotecas comunitárias foram contatadas. Entre novembro de 2020 e março de 2021, mais de 10 mil e-mails foram enviados para essas instituições, convidando projetos de formação de leitores desenvolvidos por elas a se inscrever. Durante esse período, o iiLer manteve aberto um canal de comunicação para dúvidas e esclarecimentos via WhatsApp, o qual se mantém ativo até hoje.
Foi detectado que algumas inscrições não se encaixavam no critério de projeto. Por que você acredita que há dificuldade ou confusão em compreender essa categoria?
Nós trabalhamos com um conceito de projeto que considera critérios como continuidade de ações, regularidade de investimentos, avaliação de metas e objetivos e registros de impactos. Na captação de respostas ao questionário da pesquisa, deparamo-nos com algumas dificuldades diferentes entre si: uma diz respeito a respostas incompletas (e, por isso, inviabilizadas para análise) e a outra se relaciona diretamente ao conceito de projeto que estabelecemos para o levantamento, ou seja, não consideramos trabalhos não iniciados (mesmo que vencedores de editais ou que se entendem como projetos de pesquisa acadêmica) nem aqueles restritos a uma ação/atividade pontual e única, sem nenhuma avaliação. Nossa intenção é mostrar que a continuidade de ações é fundamental para a compreensão histórica e social do que se constrói com a leitura em nosso país.
De que maneira você observa o trabalho em redes de colaboração?
Acredito que trabalhar em rede é fundamental em nossos dias. Porém, sei que é um processo dificílimo. O trabalho colaborativo é uma condição que passa por posturas individuais e institucionais, e nem sempre estamos preparados para isso. A importância de estar em redes de colaboração diz respeito às possibilidades que esse tipo de atividade oferece: troca de experiências, construção de projetos comuns e captação de recursos conjuntos, entre outras. É, no fundo, como nos diz a música de Beto Guedes: “Um mais um é sempre mais que dois”.
Qual é a importância dos mediadores? Como construir e apoiar ações de formação continuada voltada para esses agentes?
Precisamos romper o entendimento de que o trabalho de um mediador, que muitas vezes é um artista, é algo menor. Os mediadores são a alma de qualquer projeto de formação de leitores. Em muitos casos, eles se desdobram nas ações de mediação e gestão. Portanto, apoiar a formação de mediadores significa estar atento à atualização de práticas e repertórios, às ações que eles realizam dentro do espaço do projeto e à troca de experiências. É fundamental perceber que a mediação de leitura é uma qualificação profissional e, como qualquer profissão, merece formação e remuneração adequadas. O apoio à formação continuada se dá desde a oferta ou o incentivo à participação em eventos ou cursos de formação até a adequação entre a finalidade do projeto e a qualificação do mediador (ou mediador-gestor) que dele participa. É preciso incluir a formação de mediadores em editais de fomento a projetos. E é necessário também que os projetos estejam atentos a essa necessidade para que busquem oportunidade de formação para seus mediadores.
Quais são os impactos mais significativos da pandemia de covid-19 nos projetos analisados?
O primeiro, talvez por ter sido o mais urgente, foi a demanda pela manutenção das atividades mesmo que de forma virtual. Houve, sem dúvida, uma conscientização de que precisavam manter o atendimento e as atividades. Por esse motivo, ocorreu uma intensificação do uso das mídias sociais para a divulgação de ações e até mesmo um estímulo ao desenvolvimento de projetos de formação de leitura em plataformas virtuais, sobretudo via Instagram e YouTube.
Outro efeito, que vimos de modo bastante positivo, foi a adequação de espaços físicos – sobretudo bibliotecas comunitárias – para atendimento e apoio social. Esses espaços, inseridos muitas vezes em regiões de alta vulnerabilidade social, já são reconhecidamente lugares de acolhimento e, na pandemia, iniciaram ou incrementaram ações como distribuição de cestas básicas, divulgação de informações sobre contenção da disseminação do vírus e encaminhamento de casos de violência doméstica, entre outras demandas.
Qual é o valor da gestão para projetos que atuam na área da leitura?
Costumo dizer que projetos nascem de sonhos pessoais. Quem inicia a realização de um sonho quer que ele dê certo. Projetos de leitura não são diferentes de outros. As ações que eles realizam devem dar certo e, nesse aspecto, a gestão é fundamental. É preciso entender que gerenciar um projeto não significa adentrar em um espaço apenas racional – creio que esse aspecto é ainda uma questão dentro dos projetos que trabalham com a leitura. Ter uma gestão eficiente é essencial para a captação e a utilização de recursos, a construção de parcerias, a divulgação e a avaliação de atividades, para oferecer uma infraestrutura adequada. Em resumo, a gestão é algo que soma e potencializa o alcance de ações de formação de leitores.
Quais são os planos para esse momento posterior à apresentação dos resultados do estudo?
Após a divulgação dos resultados, a primeira ação a ser feita é a inclusão dos projetos na plataforma Cartografias de Leitura, conforme previsto na proposta que originou a pesquisa. Essa plataforma, desenvolvida e mantida pelo iiLer/Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio, pretende dar visibilidade aos projetos, estimulando contatos, parcerias, pesquisa e formação.
Queremos também iniciar um movimento, que estou denominando Enlaçar, através do qual pretendemos reunir projetos que trabalham com públicos, áreas ou práticas semelhantes para troca de experiências e formação. Em 2021, tivemos a oportunidade de reunir, em um evento, projetos que participaram de O Brasil que lê e que trabalham com a promoção de leitura para pessoas em privação de liberdade. A nossa avaliação foi muito positiva, com possibilidade de realizar um segundo encontro com abrangência internacional, ainda em 2022. Queremos ampliar isso para outros nichos de projetos. Creio que esse movimento pode contribuir para a criação de redes colaborativas – e esse é um desejo da cátedra e do iiLer.
Por fim, como você descreve o Brasil que lê?
O Brasil que lê é formado por gente que sonha e que faz. É construído por pessoas que se descobrem e que se encontram. O Brasil que lê é afeto, carinho, saciedade da fome de pão e de conhecimento. O Brasil que lê transforma pessoas e realidades. O Brasil que lê é um Brasil que resiste e que existe, “apesar de”.