por Juliana Ribeiro

 

“Esse cara vai ser meu amigo pela vida inteira”, foi isso que o cantor Lô Borges pensou ao se deparar, pela primeira vez, com Milton Nascimento em um edifício na região central de Belo Horizonte. Antes morador do bairro de Santa Tereza, Lô tinha se mudado para o novo endereço com a família há apenas uma semana, e mal imaginava que, ali, teria um dos encontros mais marcantes de sua vida.

 “Eu tinha 10 anos de idade, e minha mãe me pediu para comprar pão e leite – a gente morava no 17º andar e eu dispensei o elevador, como qualquer garoto, e fui descendo pelo corrimão das escadarias do prédio. Quanto mais eu descia, mais me aproximava de um som lindo, um violão, uma voz fantástica, sem letra. Era uma música incidental”, descreve Lô.

Borges conta que ao chegar pelo 5º ou 3º andar – ele não se lembra com exatidão – lá estava Milton, com apenas 20 anos na época, tocando o violão. Eles estavam ali, frente a frente, em um momento considerado por Lô como uma verdadeira “conjunção astrológica”.

Os cantores tiveram uma empatia muito forte logo de cara, tanto que Bituca – apelido usado por Lô para se referir ao amigo – logo notou o interesse daquele menino pela canção. “Ele disse: “Pô, pelo jeito você gosta de música, parou para me ouvir aqui”. E eu disse que adorava, que na minha família todo mundo adora música. Elogiei e pedi para que ele continuasse tocando. Eu fiquei só ouvindo”, relembrou.

Por cerca de vinte minutos ele permaneceu sentado ali, naquela escadaria, vivendo um dia, como o próprio Borges diz, completamente “mágico”. Sete anos depois, Milton já estava gravando uma música feita pelo amigo mineiro junto com Fernando Brant e Marcio Borges, a famosa Para Lennon e McCartney, o primeiro de muitos sucessos que essa parceria ainda renderia ao longo do tempo.

“Então, esse encontro com ele foi fundamental porque, de certa forma, começou a mudar a minha vida, a minha vontade de ser músico surgiu no momento em que ouvi aquele gênio fazendo uma coisa lindíssima no violão e na voz”, destaca.

Na verdade, assim como Lô, o mundo também se encantou pela voz de Milton Nascimento, que completa 80 anos nesta quarta-feira (26). O cantor, inclusive, está em sua derradeira turnê, "A Última Sessão de Música", que marca sua despedida dos palcos – mas não da música, como o mesmo declarou recentemente.

Para celebrar esta data especial, o Itaú Cultural (IC) conversa, além de Lô Borges, com o produtor Augusto Nascimento, filho do astro. Aqui, eles falam sobre tudo que o artista representa no cenário musical brasileiro e revelam um lado que poucos conhecem: o Milton de fora dos palcos.

Irmandade e parceria

Dois homens aparecem sentados em um sofá escuro, olhando na mesma direção. Um usa uma camisa polo e tem cabelos lisos, na altura dos ombros. Já o outro usa camisa de botões e boina claras.
Lô Borges e Milton Nascimento no final da década de 1980 (imagem: Cafi)

Mais do que parceiros na música, Lô Borges e Milton Nascimento se tornaram, de fato, grandes amigos, exatamente como o mineiro já previa na infância. Tanto que esse carinho por Bituca acabou se estendendo aos familiares. “A gente tem uma amizade bem forte, para a vida toda, ele é um irmão. Na minha família de onze irmãos, ele é considerado o décimo segundo e sempre foi considerado filho pelos meus saudosos pai e mãe, Maricota e Salomão”, afirma.

O compositor explica que, por conta das turnês em que ambos estão envolvidos, eles não têm se encontrado com tanta frequência ultimamente, mas Lô faz questão de ressaltar que o amor, a confiança e a admiração continuam sempre presentes na relação dos dois.

 Inclusive, quando perguntado sobre o que Milton representa, ele diz que o cantor “abriu um portal” para a música em sua cabeça desde o primeiro encontro, além de ser o maior responsável por sua entrada no mercado profissional.

“Ele representa um mundo de coisas boas. Foi o primeiro cantor que gravou música minha, foi a primeira parceira que fiz na minha vida, me convidou para ir morar no Rio de Janeiro com ele para gravar, assinar e dividir o álbum Clube da esquina (1972). Então, ele representa muita coisa. É o personagem da minha vida”, afirma.

Pai dedicado, fã de Beatles e novelas

Dois homens, um mais jovem e outro mais velho, passeiam por uma rua próxima a um rio. Atrás de ambos, há uma ponte. Eles usam blusas de frio pretas e boinas na cabeça.
Milton Nascimento e o filho, Augusto (imagem: Marcos Hermes)

Augusto Nascimento conta que Milton é daquelas pessoas que amam receber os amigos em casa, que adora acompanhar novelas e que faz questão de cada pequena demonstração de afeto e cuidado. A história dos dois, aliás, até lembra enredo de filme, e melhor: com final feliz.  É que o produtor de 29 anos foi adotado oficialmente pelo artista em 2017, e segundo Augusto, eles se conheceram por meio dos pais de amigos, em Juiz de Fora (MG). De lá para cá, nunca mais se separaram.

“Ele busca sempre demonstrar o quanto se importa, o quanto ama. Sem dúvidas, é o melhor pai que eu poderia ter tido”, afirma o jovem.

No dia a dia, quando não está em turnê, Augusto revela que Bituca costuma reunir os amigos para assistir filmes ou para escutarem discos juntos, tendo sempre como preferência os próprios álbuns. Revisitar os trabalhos que fez, relembrar as histórias e quem estava presente em cada faixa é uma das coisas que Milton mais gosta de fazer.

Juntos, pai e filho gostam muito de ouvir Beatles, banda de rock britânica que é a paixão em comum de ambos. “Ele me apresentou os discos há um bom tempo, e foi como descobri a vida. Acaba sendo um grande elo e passatempo que temos”, declara Augusto.

Ele tem acompanhado Milton durante toda a turnê “A última sessão de música” e garante que ter tido a oportunidade de idealizar tudo e pensar nos pequenos detalhes ao lado do pai foi a experiência mais incrível de sua vida: “Isso, sem dúvidas, não tem preço. Acompanhá-lo pelo mundo e ver o quanto a pureza e originalidade de sua música atravessou todas as fronteiras possíveis, é algo que me enche de orgulho por estar ali, vivendo isso junto com ele. ”

Categoria "Milton Nascimento"

É inegável o quanto Milton Nascimento é importante para a música brasileira. Seja com composições próprias ou parcerias, a voz do artista é daquelas que atravessam gerações por meio de sucessos como Maria, Maria, Travessia, Coração de estudante, Canção da América, dentre outras.

Lô Borges o descreve como um verdadeiro gênio e diz que o amigo tem uma originalidade, uma assinatura muito forte. Ele conta que, no passado, surgiu uma conversa de que nas prateleiras de lojas de discos existiam as categorias rock, folk, jazz, old music e uma chamada “Milton Nascimento”, tamanha sua importância.

“Ele por si só é um estilo, é uma categoria de música mundial. Então, é um cara absolutamente genial, reconhecido por todos os lugares em que vai ou onde a música dele chega. Seja como compositor, intérprete ou amigo, é uma pessoa muito maravilhosa”, completa Lô.

Na imagem, Milton Nascimento aparece de pé, com um dos pés sobre um banco, tocando um instrumento. Lô Borges aparece sentado neste mesmo banco, tocando um instrumento também. Ambos estão em um estúdio de gravação.
Milton Nascimento e Lô Borges em gravação do disco "Clube da Esquina" (imagem: Cafi)

Por falar em música, dentre tantas canções entoadas por Nascimento, não deve ser fácil escolher apenas uma favorita, e Lô Borges concorda. No entanto, ele elege Para Lennon e McCartney como a sua número 1. “Porque a partir dessa música foi que fiquei conhecido como compositor. Ele gravou gentilmente, generosamente, e me botou na roda da MPB naquele momento”, diz.

Augusto explica que “tem momentos” com as músicas do pai. Ele costuma se apegar as canções e escutar a mesma por meses. “Depois, vem outra e me engole novamente (risos). Há um bom tempo, a que mais vem me prendendo é Pai Grande. Acho que por eu sentir que traz muito dele, da essência e do artista”, destaca.

Por fim, o produtor diz que o pai é a pureza, a sabedoria do silêncio e o amor em sua forma mais pura e real. “Ele e minha mãe são, sem dúvidas, as pessoas que mais admiro e me espelho nessa vida”, conclui.

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