por Heloisa Iaconis da Costa

 

“Kombo na ngai Merrrrrrsene”, afirma Mersene quando lhe perguntam qual é o seu nome. A resposta em lingala, língua banto, marca a identidade da pequena: nascida na República Democrática do Congo, a garotinha chega ao Brasil fugida de um conflito em sua terra-mãe. Para trás deixou família e amigos, casa e escola, todo um país. Agora, ao mesmo tempo que procura se adaptar à realidade daqui, ela inventa uma brincadeira para abrandar a saudade de lá. Mersene é, na verdade, uma personagem criada por Fernanda Paraguassu, protagonista da obra A Menina que Abraça o Vento – a História de uma Refugiada Congolesa (2017), destaque do Cantinho da Leitura em novembro. Jornalista e pesquisadora vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernanda estuda, no mestrado, o conceito de refúgio, bem como seus desdobramentos. Na ficção, a autora busca apresentar esse conteúdo de forma lúdica e sensível, caminho elaborado para despertar, no leitor, empatia ante o tema em foco.

Fernanda Paraguassu | foto: Editora Voo

A narrativa surgiu assim, por acaso. A delicadeza com que Fernanda trata o ser estrangeiro remonta aos períodos em que ela própria esteve nesse lugar: tendo vivido na Argentina e em Jerusalém, a escritora compreende a experiência de morar em um espaço onde se é o outro, o de fora. Foi essa a lembrança que recordou, anos depois, ao se inteirar do percentual de mulheres que entram no Rio de Janeiro só com os filhos, refugiadas de guerras e de demais extremos. No caso delas, é certo, a condição de sujeito alheio atinge uma dimensão crudelíssima. “Em fuga, mal sabem a respeito do território para onde estão indo”, frisa a comunicadora. No bairro do Maracanã, a jornalista passou a colher depoimentos dessas mulheres e, entre uma conversa e outra, prestava atenção nos filhos de suas entrevistadas, crianças que iam e vinham pelo pátio, brincando. Direcionada ainda mais para o detalhe do entorno, flagrou uma menininha que, em meio ao alarido infantil, tentava lidar com a falta que sentia de seu pai. E, então, nesse momento, o livro nasceu.

Mas não foi apenas uma trajetória que inspirou Fernanda: a trama inventada resulta de um misto de histórias, gente, miúda e grande, que com ela esbarrou, além das percepções geradas no decorrer de sua pesquisa acadêmica. Firme no intuito de construir um processo de identificação do leitor com Mersene, a ficcionista evidencia o aspecto humano, tanto do enredo específico quanto do assunto maior, o refúgio: “Muitas vezes, você não se aproxima do outro por medo do desconhecido. A personagem é igual a todo mundo – fica feliz, triste, tem saudade”, pontua Fernanda.

E qual é a maneira mais eficaz, senão através da arte, para exercitar a alteridade? Por esse motivo, a autora optou pelo fazer literário para trabalhar a temática que a norteia. “A literatura produz reflexão, contato, curiosidade. A infantojuvenil, em especial, virou uma paixão minha. Se queremos o melhor para as crianças e os adolescentes, devemos oferecer a eles acesso às letras”, diz Fernanda. A pesquisadora, por exemplo, guarda com afeto os títulos que a acompanharam na infância: O Menino Maluquinho (1980), de Ziraldo, e Ou Isto ou Aquilo (1964), de Cecília Meireles. Com carinho semelhante, percebe o acolhimento de seu livro por parte de alunos de uma escola pública carioca, por um grupo de meninas e meninos refugiados e por todos que vão ao Cantinho da Leitura em novembro. Em certa medida, A Menina que Abraça o Vento – a História de uma Refugiada Congolesa é também um refúgio. Um abrigo.

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