por Duanne Ribeiro

“Há um fundo terapêutico no que nós, artistas, estamos fazendo durante essa pandemia. Precisamos auxiliar a imaginar uma saída, imaginar um futuro melhor, exercitar longos voos.” Rodrigo Fischmann – voz principal e bateria do Dingo Bells, que compõe com Diogo Brochmann (voz, guitarra e teclado), Felipe Kautz (voz e baixo) e Fabricio Gambogi (guitarra) – enuncia, com essa declaração, o tom de como o grupo está lidando com este momento de isolamento social. Os músicos, além de manter um contato intenso com o público e se engajar em ações culturais digitais, seguem criando: acabaram de lançar um single, “Para pra Pensar”.

Nesta entrevista, os integrantes da banda gaúcha comentam como foi fazer um lançamento em uma situação tão diferente da que estão acostumados, sem a perspectiva de sentir a música “na estrada”. Nesse sentido, falam sobre o impacto da quarentena na sua produção – no início de março, eles se preparavam para entrar em turnê, com um novo show, acústico – e também discorrem sobre o que diferencia essas novas versões das antigas. Por fim, Rodrigo, Diogo, Felipe e Fabricio indicam livros, séries e canções para enriquecer o nosso tempo.

Este texto integra uma série de conversas com artistas que se apresentariam no Itaú Cultural (IC) nas próximas semanas. São conteúdos pensados para ser desfrutados de longe, em casa.

Vocês acabaram de lançar um single novo, "Para pra Pensar". Falem um pouco sobre ele e sobre o que representa do momento atual da sua carreira. Além disso, como foi produzi-lo e lançá-lo em meio ao isolamento – o quanto é diferente de fazer um lançamento em um momento normal? 

Diogo Brochmann: Foi bastante curioso lançar a música em meio a isso tudo. Ela já havia sido gravada em 2019, no estúdio Ilha do Corvo, em Belo Horizonte, em meio a uma turnê que fizemos por Minas. Estava aguardando um momento oportuno para ser lançada, só que a gente nunca iria imaginar que seria agora, neste contexto. Acho que a maior diferença está sendo a ausência de shows e de contato pessoal com o público, pois a Dingo Bells é uma banda que adora tocar ao vivo e, normalmente, após o lançamento de um material, é o que acontece – o binômio estrada/estúdio, certo? Ouvir a reação do público, cantar junto, tudo isso está fazendo muita falta... Além disso, ela representa também um respiro, entre o Todo Mundo Vai Mudar (2018), nosso segundo disco, e o próximo lançamento, que já estava sendo planejado momentos antes de darmos essa reduzida no ritmo.

"Para pra Pensar" é uma música muito citadina, narra os percursos na cidade, o ônibus, as esquinas. Separados por um tempo da cidade, ficando em casa, que outras percepções vocês diriam que se abrem para a gente? 

Diogo Brochmann: Pois justamente, acho que esse foi um dos motivos pelos quais decidimos lançá-la. Toda essa vida cotidiana, apressada, intensa, acaba sendo vista sob outra perspectiva neste momento que vivemos. Pessoalmente está sendo um momento para me reconectar com a pessoa com quem vivo, consumir mais livros e filmes, repensar alguns ritmos da vida que tínhamos antes, e, quem sabe, quando tudo voltar ao normal, algo esteja diferente.

Só mais uma questão sobre a música nova: o refrão "Para pra pensar / Quanta coisa a gente faz / Sem saber pra onde vai" parece até profético: ninguém diria mesmo no começo deste ano que passaríamos por isso. Já pararam para pensar nisso?

Felipe Kautz: Sim, isso é muito doido! Acho que esse questionamento se encaixa em diversos contextos, em diferentes épocas e momentos da vida. Só que agora ele cai como uma luva; todo mundo que pode está trancado em casa e acaba se deparando com uma série de questões de ordem pessoal e existencial, né? É um tempo muito estranho, mas que possibilita evoluções internas, e essa letra do som traz alguns pontos importantes para ser vistos em tempos de pandemia global.

No começo de março, vocês se preparavam para uma turnê: passariam por várias cidades com um show acústico (seria o mesmo show no Itaú Cultural?). Qual foi o baque de ter toda essa programação interrompida? Como vocês lidaram com isso?

Rodrigo Fischmann: Sim, o show no Itaú Cultural seria nossa estreia oficial em São Paulo com esse novo formato acústico. Um show muito importante de toda uma turnê que começava no interior do Rio Grande do Sul, nas cidades de Caxias do Sul, Passo Fundo, Gravataí e Santa Maria. Foram esses os nossos últimos shows antes das medidas de isolamento social. Foram quatro shows em sequência, de quarta a sábado. Na verdade, já observamos que algo estava prestes a acontecer desde o primeiro desses shows, quando percebemos um crescimento de ingressos pagantes que não compareceram. Ou seja, as pessoas já estavam com medo ou tomando medidas de não aglomeração por conta própria. E a gente sentiu isso, uma energia pesada no ar e que, de forma muito interessante, trouxe uma intensidade e uma entrega muito bonita da nossa parte naquela semana de shows. Um sentimento como se estivéssemos na cena dos violinistas no Titanic, mas sem tanto fatalismo. Somente a sensação de que tudo que estávamos passando ali era especial. Algo estava sendo escrito nas linhas da história e nós estávamos tocando no início disso tudo. E foram shows muito impactantes, de uma troca imensa de energias e também de incertezas. Foi tudo muito agridoce. Sabíamos que o correto era interromper a agenda, mas emocionalmente estávamos frustrados e com medo. 

Comentem um pouco esse show acústico. Por que a opção por esse formato, que mudanças – novos arranjos, por exemplo – vocês criaram para as músicas, o que parece mais interessante a vocês nessas versões?

Fabricio Gambogi: Acho que, no geral, todo o repertório passou a soar de maneira a priorizar as vozes e trazer as palavras e seu sentido para primeiro plano. De certa forma, acho que acabamos valorizando a canção. Por ser uma sonoridade menos agressiva que a de banda de rock, é possível ouvir as músicas de outra forma, sem tanta pressão sonora, algo para ouvir mais fundo, mesmo. Pontualmente, eu destacaria algumas músicas que, para mim, ganharam uma vida nova com novos arranjos. Continuo amando os arranjos de banda, mas tocar teclado brega em “Bahia” ou fazer "Eu Vim Passear” numa versão meio Gipsy Kings, para mim, é simplesmente um barato. Parece que as músicas estão fresquinhas, recém-saídas do forno. Gosto muito da atmosfera desolada de “Quando Eu Resolver” e da profundidade que conseguimos dar a “Dinossauros", uma música que é muito importante para nós e parece ainda oferecer muita coisa a quem ouve. 

Pela sua página no Facebook, nota-se que estão bem ativos no contato com o público e no engajamento por levar a cultura para a casa das pessoas. Por que vocês acham que é importante realizar esse tipo de ação?

Rodrigo Fischmann: Frustração, medo, dúvidas sobre o amanhã... Se isso tudo já existia nas nossas vidas, bom, agora se tornou um mantra. Diante disso, sentimos o dever de trazer esperança na forma de música e de imaginação. Porque, se todos focarmos o drama do problema, que é real e horrível, não há espaço para imaginar uma solução. A arte vem como um respiro para que nossas cabeças se mantenham fortes no meio disso tudo. Para além da função lúdica do entretenimento e do passatempo no dia a dia das pessoas, a gente nota que há um fundo terapêutico no que nós, artistas, estamos fazendo durante essa pandemia. Precisamos auxiliar a imaginar uma saída, imaginar um futuro melhor, exercitar longos voos. Mesmo que estejamos todos sentados na poltrona, a nossa mente poderá e deverá ir mais longe. E um motivo não menos importante de buscar essa troca com o nosso público é que do lado de cá, de quem vê os sorrisos e agradecimentos, também cresce a esperança em dias melhores.

Para terminar, gostaria que vocês indicassem livros, músicas e/ou séries (ou outras formas de expressão) que vocês têm lido, ouvido, assistido neste "fique em casa" e que indicam aos nossos leitores.

Fabricio Gambogi: Sugiro muita música negra, de todos os tipos e épocas. Jazz – desde aquele de canção, como a Ella Fitzgerald, até o de ritual, como John Coltrane –, muita disco music e demais músicas dançantes dos anos 1980 e 1990, hip-hop dos anos 2000 e 2010.

Diogo Brochmann: Normalmente tenho bastante dificuldade em assistir a séries completas, mas agora que passo mais tempo em casa isso está se tornando um hábito. Das que vi recentemente, gostei muito de Watchmen – melhor que o filme – e Fleabag! Tenho gostado de ouvir algumas peças e ler sobre elas, para mim muda bastante a escuta. Só botá-la para ouvir e dar um Google. A Pavane, do Ravel, foi vítima desse novo método recentemente.

Rodrigo Fischmann: Indico fortemente Watchmen, na HBO. De alguma forma dialoga bem com tudo isso que estamos vivendo. Fala sobre o tempo, filosofia, ares de fim de mundo e salvadores cheios de questões humanas. O livro que indico é Matadouro 5, do Kurt Vonnegut, que dialoga bastante com a série, apesar de não terem nenhuma relação. Filosoficamente, são parentes. Então, um pacote completo!

Felipe Kautz: A série Máfia dos Tigres! Meu deus, que coisa bem maluca, uma infinitude de aleatoriedades reunidas em um microcosmos que eu não fazia ideia que existia. Sobre música, voltei a ouvir bastante standards de jazz: Ella Fitzgerald, Chet Baker, Billie Holiday, essa galera. Essas músicas me acalmam bastante, têm letras, melodias e harmonias muito bonitas. Estava sentindo falta de estar mais perto desse tipo de canção e não tinha me dado conta disso. A leitura é algo que ainda não consegui desenvolver na quarentena, infelizmente. Tenho feito cursos de tratamento de fotografia e cores, gosto muito disso, ocupa boa parte do meu tempo. Fora isso, cozinhar, cozinhar e cozinhar. É bastante terapêutico, e eu amo comer.

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