por Milena Buarque Lopes Bandeira

 

No conto “Despedida de Cordel”, um homem, após uma série de recomendações, deseja que seu filho seja acompanhado em sua jornada “por locas e bibocas do mundaréu” pela “alma do padrinho Padre Cícero” e pelo “finado Leandro Gomes de Barros”, sempre à direita. Não foi essa a primeira nem a única vez que o mineiro Carlos Drummond de Andrade fez referência ao paraibano Leandro Gomes de Barros, considerado criador da literatura de cordel, em suas obras. Para o escritor, o cordelista era o “príncipe dos poetas” e também o “rei da Poesia do Sertão, e do Brasil em estado puro”.

Nascido em 1865, no município de Pombal (PB), Leandro foi um dos primeiros poetas a se preocupar com a questão dos direitos autorais dos folhetos de cordel, iniciativa relevante para a consolidação da circulação regular dessas publicações. Segundo dados da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, estima-se que o cordelista tenha deixado um legado de cerca de mil folhetos.

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Inovando nas rimas e na distribuição de suas produções, a vida e a obra do poeta terminaram por marcar no calendário nacional uma homenagem: o Dia do Cordelista, celebrado em 19 de novembro, data de nascimento de Leandro Gomes.

Para Mari Bigio, cordelista e contadora de histórias, a visão empreendedora do poeta, na confecção e distribuição desses folhetos, foi decisiva para o desenvolvimento do gênero da literatura brasileira. “Leandro era admirado não só por seus leitores e imitadores, mas também por autores e editores, que reconheciam seu talento artístico e empreendedor”, afirma.

Em entrevista ao Itaú Cultural (IC), a escritora, que costumava declamar poesia nos mercados públicos do Recife (PE) durante a adolescência, fala sobre a importância do autor para a história do cordel, compartilha três folhetos escritos por Leandro que a inspiram e conta um pouco a respeito de sua obra mais recente: um cordel em e-book.

Quem foi Leandro Gomes de Barros e qual é sua importância para a literatura de cordel?

Cordelistas fazem coro ao dizer que Leandro Gomes de Barros foi o grande precursor da literatura de cordel brasileira. Nascido em 19 de novembro de 1865, em Pombal, na Paraíba e radicado em Pernambuco, foi um dos pioneiros da produção artesanal dos folhetos, além de ser um escritor cuja obra é reconhecida, até hoje, por sua excelência.

Sua visão empreendedora da confecção e distribuição de folhetos foi decisiva para o desenvolvimento da literatura de cordel no país.

Conheci Leandro Gomes de Barros por alguns textos de Carlos Drummond de Andrade. O conto “Despedida de Cordel”, por exemplo, termina citando seu nome. No geral, qual é o reconhecimento dado a Leandro, tanto no período em que viveu como hoje em dia?

Em todas as teses e estudos sobre a literatura de cordel brasileira figura o nome de Leandro Gomes de Barros. Além de um poeta talentoso, foi um dos primeiros a se preocupar, por exemplo, com a questão dos direitos autorais dos folhetos, iniciativa importante para consolidação da circulação regular dos livretos. Já em sua época, Leandro era admirado não só por seus leitores e imitadores (justamente por conta da publicação desautorizada de seus folhetos, que ele passou a combater a violação dos direitos autorais), mas também por autores e editores, que reconheciam seu talento artístico e empreendedor.

Para quem não o conhece, quais cordéis de sua autoria você indicaria para leitura?

Vale conhecer toda a obra do autor, mas destacaria os folhetos que serviram de inspiração para o mestre Ariano Suassuna criar o Auto da Compadecida: O Testamento do Cachorro e O Cavalo que Defecava Dinheiro. Também a História da Donzela Teodora apresenta um enredo intrigante e envolvente, sobre uma moça escravizada que contorna os maiores desafios através da sabedoria.

Pensando nos dias de hoje e nas redes sociais, você poderia falar um pouco sobre a cena atual desse gênero em nossa literatura?

A cena atual da literatura de cordel é uma mistura de tradição e renovação. Destaco a presença feminina, e porque não dizer feminista, numa produção de recorte de gênero. Chamo a atenção também para a publicação de cordéis e cordelivros (livros com texto escrito em formato de cordel) voltados para a infância, uma produção que tem sido cada vez mais fortalecida e valorizada.

Você está lançando um e-book em cordel, certo? Do que ele trata? E livros digitais e literatura de cordel combinam?

Acabo de lançar meu primeiro e-book em cordel para crianças, o Cordel Espacial. Foi uma história escrita em plena pandemia, no contexto do isolamento social, inspirada pelas vivências e brincadeiras com o meu filho, Jorge. Narra as aventuras de um garotinho, que, usando apenas a imaginação, consegue lançar-se numa viagem interplanetária, sem sair de casa. É a minha primeira experiência no formato digital, e estou apostando no casamento da tradição com a tecnologia, vislumbrando o “alcance de voo” que esse título poderá ter através da rede, sem perder a autenticidade do estilo literário.

Quais são suas principais referências e influências no gênero?

Além dos nomes canônicos da literatura de cordel, a exemplo do próprio Leandro Gomes de Barros, eu me espelho bastante nos autores e, principalmente, nas autoras contemporâneas, como as geniais Susana Morais e Isabelly Moreira (ambas de Pernambuco), as renomadas Jarid Arraes e Dalinha Catunda (ambas do Ceará), além dos fabulosos Wilson Freire (PE), Antônio Nóbrega (PE), Marco Haurélio (da Bahia) e César Obeid (de São Paulo).

(imagem: Anna Carolina Bueno)
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Imagem mostra a escritora Jarid Arraes. Ela está posando com um fundo acinzentado, usa uma blusa escura com bolinhas brancas e apoia o rosto em uma das mãos. Ela usa óculos, tem cabelos escuros cacheados e está com batom. Jarid também tem algumas tatuagens nos braços.

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“Faço o exercício de não pensar muito no futuro. Viver com a cabeça esticada para o amanhã pode causar uma dor danada”, diz a escritora