por Luísa Pécora

 

Ser uma plataforma de streaming gratuita e inteiramente dedicada ao audiovisual nacional é a proposta da Itaú Cultural Play, lançada pelo Itaú Cultural (IC) neste mês de junho – mais precisamente em 19 de junho, quando se comemora o Dia do Cinema Brasileiro.

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Quis aproveitar a coluna deste mês para falar sobre a Itaú Cultural Play porque a plataforma dialoga com o que este espaço pretende ser. Por um lado, os mais de cem títulos que compõem o catálogo sugerem que a curadoria está atenta ao debate sobre gênero e raça no audiovisual, que se fortaleceu muito nos últimos anos. Por outro, há o claro entendimento de que inclusão e diversidade também passam pela descentralização territorial. Se não há dúvida de que a cinematografia brasileira se beneficiou imensamente das políticas públicas que fomentaram a produção fora do eixo Rio-São Paulo, talvez a melhor qualidade da Itaú Cultural Play seja contemplar títulos de todas as regiões do país.

Pessoalmente, também comemorei a presença de curtas e médias-metragens, formatos ao qual o acesso é mais restrito fora dos festivais; e também a inclusão, logo na página inicial, da aba “Panorama de diretoras”, que reúne apenas filmes dirigidos por mulheres e facilita o caminho do espectador a estas produções.

Àqueles que buscam mais dicas, destaco sete filmes dirigidos por mulheres – cada um representando um estado brasileiro e uma das várias seleções temáticas criadas pela Itaú Cultural Play. Confira abaixo:

Caixa d'água: qui-lombo é esse?
Dirigido por Everlane Moraes – Sergipe, 2013

Nascida na Bahia e criada no Sergipe, Everlane Moraes é uma das vozes mais potentes do novo cinema nacional. A diretora estudou na Escola Internacional de Cinema e Televisão de Cuba (a prestigiada EICTV) e se especializou em documentários, rodando por festivais com filmes que exploram a força das imagens e as possibilidades da linguagem cinematográfica. Em Caixa d'água: qui-lombo é esse?, ela combina cultura oral e acervo fotográfico para contar a história do bairro Getúlio Vargas, que mantém elementos da vida nos quilombos mesmo estando localizado numa área urbana de Aracaju. Na Itaú Cultural Play, o curta é parte da seleção “Reexistências audiovisuais nordestinas”, com filmes de todos os estados do Nordeste.

Imagem do filme Caixa D'Agua Quilombo, de Everlane Moraes, mostra fotografias antigas e impressas de crianças.
Caixa d'água: qui-lombo é esse? (imagem: divulgação)

A classe roceira
Dirigido por Berenice Mendes – Paraná, 1985

Cineastas mulheres têm forte presença na seleção “Essa terra é a nossa terra”, dedicada a filmes que retratam a luta dos movimentos sociais brasileiros por terra e moradia. Um dos mais interessantes é o curta-metragem A classe roceira, rodado e lançado em 1985, no qual a realizadora paranaense Berenice Mendes documenta o início da mobilização de agricultores sem terra no Paraná. Embora a cópia não esteja em condições perfeitas, preservou-se a capacidade do filme de convidar à reflexão sobre a reforma agrária, bem como o senso de urgência de uma diretora que se propôs a registrar um momento histórico em andamento.

Imagem preto e branco do filme A Classe Roceira. A foto mostra um grupo de pessoas aglomerado. No centro estão algumas crianças. É possível ver duas pessoas de mão dadas criando uma corrente.
A classe roceira (imagem: divulgação)

O dia de Jerusa
Dirigido por Viviane Ferreira – São Paulo, 2013

A mostra “Cinema negro brasileiro” reúne obras que desempenharam papel-chave em um movimento de realizadores que tem impactado profundamente o audiovisual nacional. Uma destas obras é O dia de Jerusa, da cineasta baiana Viviane Ferreira, que foi presidente da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN) e é atual diretora-presidente da Spcine, a empresa de cinema e audiovisual de São Paulo. O curta – que depois deu origem a um longa – narra o encontro afetivo de duas gerações de mulheres negras: de um lado está Jerusa (Léa Garcia), uma senhora que vive em um sobrado no bairro paulistano do Bixiga; de outro, Silvia (Débora Marçal), jovem que busca moradores dispostos a responder uma pesquisa sobre sabão em pó.

Mulher negra está bem perto de um bolo confeitado, assoprando as velinhas. As velas indicam que ela está completando 77 anos de idade.
O dia de Jerusa (imagem: divulgação)

Filhas de lavadeiras
Dirigido por Edileuza Penha de Souza – Distrito Federal, 2019

A contribuição de Edileuza Penha de Souza ao cinema brasileiro vai além da realização: a diretora capixaba que vive em Brasília também é professora e pesquisadora, com importante atuação na formação de estudantes e de outros educadores. Neste curta-metragem documental, ela conta a história de mulheres negras que são filhas de lavadeiras e que, graças ao trabalho duro de suas mães, puderam estudar e traçar outros caminhos. O filme é inspirado na obra de Maria Helena Vargas e ganhou o prêmio de melhor curta brasileiro na edição de 2020 do festival É Tudo Verdade. Na Itaú Cultural Play, integra a seleção “Um olhar do centro”, dedicada à produção audiovisual do Centro-Oeste.

Imagem do filme Filhas de lavadeiras. A foto mostra a escritora Conceição Evaristo, uma mulher negra, de cabelos branco e com um laço rosa na cabeça. Conceição está olhando para o lado.
Filhas de lavadeiras (imagem: divulgação)

Para ter onde ir
Dirigido por Jorane Castro – Pará, 2016

Primeiro longa-metragem de Jorane Castro, Para ter onde ir integra a seleção “O ser amazônico”, que reúne produções realizadas na região Norte. Cerca de 90% da equipe do filme, incluindo a diretora, é paraense e as paisagens vistas na tela incluem a cidade de Belém e parte da Amazônia Atlântica em Salinópolis. Não menos importante é a trilha sonora, permeada por canções locais e marcada, principalmente, pelo tecnobrega. No filme, Eva (Lorena Lobato), Melina (Ane Oliveira) e Keithylennye (Keila Gentil) são três mulheres de personalidade e trajetórias diferentes que partem em uma viagem de carro e, também, em uma jornada para dentro de si mesmas.

Imagem do filme Para Ter Onde Ir. A foto é colorida e mostra uma mulher cantando. Ela está com o microfone na mão direita e com a mão esquerda na cabeça. O restante da imagem é desfocada.
Para ter onde ir (imagem: divulgação)

A rainha Nzinga chegou
Dirigido por Júnia Torres e Isabel Casimira – Minas Gerais, 2019

A documentarista e antropóloga mineira Júnia Torres é a única mulher entre os cinco cineastas que ganharam mostras especiais na estreia da Itaú Cultural Play. É possível ver quatro filmes dela: Aqui favela, o rap representa (2003), codirigido por Rodrigo Siqueira; Nos olhos de Mariquinha (2008), codirigido por Cláudia Mesquita; O Jucá da volta (2014), codirigido por Antônio Bispo dos Santos; e A rainha Nzinga chegou (2019), codirigido por Isabel Casimira. Este documentário transita entre Brasil e Angola para registrar a origem e tradição da festa do congado, focando em três gerações de rainhas que estiveram à frente da Guarda de Moçambique e Congo Treze de Maio – uma delas, a própria Isabel Casimira.

Imagem do filme A rainha Nzinga chegou. A foto mostra uma mulher negra, com uma coroa na cabeça e os braços erguidos para o alto, durante um rito de passagem de uma nova rainha.
A rainha Nzinga chegou (imagem: divulgação)

Teko Haxy – ser imperfeita
Dirigido por Patrícia Ferreira Pará Yxapy e Sophia Pinheiro – Goiás, 2018

A produção cinematográfica indígena tem recebido maior atenção dos festivais e do público, e também ganha sua própria mostra na Itaú Cultural Play, intitulada “Um outro olhar: cineastas indígenas”. Um dos filmes selecionados é Teko Haxy – ser imperfeita, média-metragem que se constrói como um diário conjunto ou uma troca de vídeo-cartas entre duas mulheres. Uma delas é Patrícia Ferreira Pará Yxapy, realizadora audiovisual da etnia Mbyá-Guarani; a outra é Sophia Pinheiro, artista visual e antropóloga não indígena. Em registros fílmicos rodados durante três anos, elas descobrem suas semelhanças e diferenças.

Imagem do filme Teko Haxy – ser imperfeita. A foto mostra um campo com três mulheres andando ao fundo da imagem. O céu está encoberto por neblina.
Teko Haxy – ser imperfeita (imagem: divulgação)
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Mulher indígena idosa aparece séria, em foto de close, com um cocar de flores na cabeça, em forma de coroa.

As mulheres que sabem demais

Na estreia desta coluna mensal, Naine Terena fala sobre a importância das mulheres que compartilham seus saberes ancestrais