Camila Svenson
Hoje tenho que sair de casa para enviar uma carta pelos Correios, comprar papel higiênico, ir ao banco, resolver burocracias e talvez encontrar uma papelaria no caminho para comprar uma boa caneta. Tenho também que escrever este pequeno texto sobre saudade. Fico irritada porque, atualmente, saudade é tudo o que tenho. Tiro o feijão do molho e coloco na água para cozinhar. Levo a cachorra para passear e a deixo estacionada na porta do mercadinho, enquanto compro café. Converso com uma pessoa que me diz que as ficções são “delírios da burguesia” – neste mesmo dia, faço uma fotografia da construção ao lado de casa. Desde que me mudei para cá, ouço o barulho da obra diariamente. Tem dias que as paredes tremem, tem dias que só dá para escutar um martelo ou outro. Antes de subir o prédio, descubro que a construtora estava na verdade subindo o stand de vendas, de material mais fino e barato, com maquininha de café expresso e mesas de plástico. O esforço diário do fazer, para um monumento provisório. Nesta semana a grade azul que fechava o terreno da obra foi retirada. Em um gesto ridiculamente otimista, ninguém cortou as duas árvores que estavam lá antes, e que agora estão rodeadas por um piso de concreto e um banner gigante onde se lê: “A sensação da praia, pertinho de você”. O privilégio de pertencer. Na fotografia em render, um complexo de piscinas integradas. Imagem bonita e harmoniosa.
Essas duas árvores vão presenciar o desaparecimento de um mundo inteiro, de uma cidade toda, de um bairro. Sinto saudades dos pequenos sumiços e desaparecimentos que já presenciei com o meu próprio corpo também. Dois homens de terno cantando “Deslizes” em um boteco qualquer, quando nos sentamos em uma mureta para assistir à demolição violenta de uma casa inteira. Um casal que dividiu uma porção de pastel usando miniguardanapos cheios de óleo; o cheiro de suor que sobe quando muitos corpos se encostam em um dia de Carnaval.
Lucas Cordeiro
Saudade que se finda no abraço; encontro de braços testemunhos do fim de um sentimento.
Nunca a saudade aqui foi tão grande, nunca estar longe causou tanta agonia. E, mesmo longe, rezar, lembrar, oferecer, cantar, acender uma vela trouxeram fim à saudade que ainda insiste em morrer num abraço.
Os tantos que se foram sentiram e deixaram saudade, muito desses partiram sem abraço. Na cultura de que eu venho, pedimos então que a terra os abrace, e que floresça e renasça bela. Atotô!
Em Inventário, dois fotógrafos recebem, todo mês, uma palavra diferente e são convidados a transformá-la em imagem e texto.