Daniela Paoliello

Fotografia colorida de algo que parece ser uma fumaça alaranjada em ondas
(imagem: Daniela Paoliello)

Observação 1:

Não te tardes.

E meu verbo foi um princípio de mundo. E meu primeiro pensamento foi em relação ao espaço. E minha primeira saliva revestiu-se do emprego do tempo. Cada palavra sua ponderada pelo pêndulo, e nada naquele tempo nos distraindo tanto como os sinais graves marcando a hora. É preciso pegar a existência pelos cabelos. É preciso varar o tempo, furar as coisas, fazer brechas na carne. Porque ficar é duro demais e doloroso. Preciso ir. A beleza será irrecuperável.*

Observação 2:

Breve é o que rasga.

Observação 3:

Das coisas que duram pouco. Aquilo que é curto, passageiro, efêmero, momentâneo, transitório, rápido, fugaz. Aquilo que é preciso, limitado, leve, cedo, aquilo que não tarda, não demora.

Observação 4:

O obturador abre por uma fração de segundo. Impressão, um traço visual do tempo que quis tocar, uma mistura de vários tempos. É cinza mesclada de vários braseiros, mais ou menos ardentes.*

Observação 5:

Breve é aquilo que se faz entre.

Observação 6:

Não se rebelar contra seu curso, não se irritar com sua corrente. Quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é.*

Observação 7:

Na imagem um segredo, uma defasagem, a distância intransponível que existe entre o corpo e o mundo, entre o mundo e as coisas. Relações contíguas tangenciadas naquele momento: a fumaça produzida por algo que queima e se desfaz, o reflexo rápido e passageiro da luz sobre a água em movimento, o rastro das nuvens se formando e desfazendo-se ao mesmo tempo, um animal em voo atingindo o ápice de sua energia para levantar um corpo mais pesado que as próprias asas.

Observação 8:

Onde o corpo tangencia o mundo. Tangenciar o tempo, fazer-se breve. Fundir-se nas coisas, fazer durar a experiência.

Observação 9:

O intempestivo fere e rompe.

*Trechos em itálico retirados dos livros Lavoura arcaica, de Raduan Nassar; O ato de respirar, de Sony Labou-Tansi; Documents, de Georges Bataille; e Quando as imagens tocam o real, de Didi-Huberman.

 

Bruno Inokawa

Fotografia colorida de uma mesa posta com dois pratos encostada em ima parede de ladrilhos brancos quadrados da metade para baixo e pintada de rosa da metade para cima. Há também um relógio azul na parede, no meio da mesa. Do lado esquerdo há um vão de porta.
(imagem: Bruno Inokawa)

Faz quatro dias que tu não volta pra casa.

Ainda é um pouco estranho, sabe? Hoje fui ao mercado e me dei conta de que não sei mais calcular as compras só para um. Também não levei nenhuma lista, que tu sempre escrevia naquele caderninho de bolso com estampa vermelha (não foi uma lembrança que tu ganhou de aniversário uns anos atrás?). Tu sabe que como pouco, e agora fico com receio de as verduras e os legumes apodrecerem na geladeira.

Tirei as pilhas do relógio da cozinha, o tique-taque do ponteiro é insuportável. E, antes de sentar à mesa, acendo a luz do corredor para não ter que ficar olhando o vão escuro enquanto tento jantar. Os cômodos parecem tão grandes. Acho que vou pintar as paredes de verde-claro.

Escrevo pra ti enquanto fumo um cigarro sentado naquele banco de frente para o portão de ferro, como de costume. Ao mesmo tempo, o cachorro da vizinha late para os carros e a louça se acumula na pia.

Tenho saudades. Saudades tuas.

Espero que tu esteja bem.

 

Em Inventário, dois fotógrafos recebem, todo mês, uma palavra diferente e são convidados a transformá-la em imagem e texto.

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