Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
O poema “Erro de português”, de Oswald de Andrade (1890-1954), sugere que o Brasil passou, desde o início da sua história, ao largo da possibilidade de aprender tudo o que podia com os povos originais da terra. Diante disso, o Mekukradjá – círculo de saberes, ciclo de debates realizado anualmente pelo Itaú Cultural (IC), quer, em 2022, trazer essa manhã de sol que ficou faltando. O que aprendemos se o indígena despir o Brasil?
Com provocações desse tipo, o evento traz, de 16 a 18 de fevereiro, seis mesas que partem de um marco histórico – a Semana de arte moderna de 1922, guiada por artistas como Oswald, Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos – para discutir a presença dos indígenas na cultura brasileira e a invisibilização desses povos na história do país, além de saberes ancestrais, novas linguagens tecnológicas, definições de arte e oralidade. Os debates serão exibidos no Youtube do Itaú Cultural.
O ciclo também conta com uma mostra on-line de filmes na Itaú Cultural Play a partir de 18 de fevereiro. A seleção inclui obras como Kaapora – o chamado das matas (2020), de Olinda Muniz Wanderley, O verbo se fez carne (2019), de Ziel Karapotó, e Os espíritos só entendem o nosso idioma (2019), do Coletivo Ijã Mytyli de Cinema Manoki e Myky.
Com curadoria dos educadores Daniel Munduruku e Naine Terena e da antropóloga Júnia Torres, o Mekukradjá deste ano persegue uma noção proposta pelo artista Denilson Baniwa, a reantropofagia. Esse conceito devora outro, a antropofagia de Oswald – no“Manifesto antropófago”, o poeta sugeria que construir a cultura brasileira poderia ser feito tanto retomando-se raízes quanto devorando, de fora, o que fosse interessante. Já a nova perspectiva é definida assim:
Reantropofagizar é rever – ver de novo – o que não foi visto. Talvez revelar – tirar o véu – do que nos foi ocultado quando as vozes ancestrais não tinham eco em uma sociedade brasileira que ensaiava se conhecer conhecendo o desconhecido, propositadamente deixado oculto. Querer reantropofagizar é deixar de ser apenas o alimento e ser, também, aquele que se alimenta com o que fizeram de nós.
Esse trecho compõe a proposta curatorial desta edição do Mekukradjá, que, em sentido semelhante, demanda: “Por muito tempo – pela história, pela ciência e pela literatura – se quis que as Gentes Ancestrais se tornassem brasileiras. É hora de tornar os brasileiros – pela arte, pela imagem, pela literatura, pela metamorfose – Gentes Ancestrais”.
Mekukradjá – Círculo de Saberes | A gente somos – Reantropofagizando o Brasil
de 16 a 18 de fevereiro de 2022
vários horários
O artista retrabalha um mapa do Brasil feito no século XVII para denunciar o que os documentos históricos feitos do ponto de vista do colonizador não contam
Círculo Seis – Modernos eram os indígenas: pensar a arte é pensar sobre os conceitos de arte
com Daiara Tukano, Rejane Paféj Kanhggág e Watatakalu Yawalapiti. Mediação: Roberto Romero
A arte é a tradução de seu próprio conceito: a vida. Ela ganha sentido na arte que a expressa. Movimento único, imperfeito e perfeito no eterno movimento do tempo feito de silêncio e som, eterno retorno. Pensar a arte é pensar a vida. Será?
As novas linguagens que hoje são por nós celebradas nos remetem ao tempo ancestral quando a comunicação era feita a partir das conexões com os mundos não humanos. Nossos sábios buscavam respostas deitados em suas redes para sonhar soluções para os dilemas da existência. Hoje nossas Gentes dominam outras redes com o mesmo objetivo de não permitir que o céu desabe sobre nossa cabeça. Ser ancestral é estar à frente do nosso tempo.
Círculo Quatro – "E se esse outro não estivesse aqui agora?"
com Arissana Pataxó e Idjahure Kadiwel. Mediação: Fernanda Pitta
A arte ancestral é uma construção que passa pela incompletude peculiar no que há de mais humano em cada Gente. O encontro entre Gentes diferentes gera novas possibilidades de interpretar o mundo habitado. A pergunta inicial que se impõe para o debate desta mesa vai nos ajudar a fazer o caminho contrário ao que hoje nos é proposto. Qual será a resposta? Além da fala dos presentes, este círculo conta com um depoimento gravado de Denilson Baniwa, artista visual e comunicador.
Arissana Pataxó é artista visual e professora. Conheça seu blog.
Fernanda Pitta é pesquisadora e curadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Idjahure Kadiwel é poeta, editor, tradutor e antropólogo, de origem terena e kadiwéu.
17/02/2022 QUINTA-FEIRA - 10h30 às 12h
Círculo Três – "Cosmotécnica: fazeres artísticos indígenas"
com Glicéria Tupinambá, Miguela Guarani, Tipuici Manoki e Xynuly. Mediação: Renata Marquez
A oralidade ganha forma na expressão artística de nossa gente. Ela consegue trafegar nos movimentos que os corpos processam, renovando, atualizando, recriando e cocriando as maravilhas que dão beleza ao nosso estar no mundo. Será isso a arte?
Renata Marquez é professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Tipuici Manoki é antropóloga e cineasta do Coletivo Ijã Mytyli de Cinema Manoki e Myky. Leia a coluna Economia indígena (?), em que Naine Terena fala da sua atuação.
Xynuly é cineasta, membro do Coletivo Ijã Mytyli de Cinema Manoki e Myky.
16/02/2022 QUARTA-FEIRA - 16h30 às 18h
Círculo Dois – “Índio, esse desconhecido: a Semana de Arte Moderna e os povos indígenas em 1922”
com Edson Kayapó, Edson Krenak e Fabiana Medina (Yvoty Rendyju). Mediação: Joana Fernandes
Onde estavam os povos indígenas quando aconteceu a Semana de arte moderna há cem anos? Como eram percebidos e descritos? Para nos ajudar a responder a essas questões, a mesa busca fazer um retrato que nos permita compreender os caminhos da invisibilização a que fomos submetidos pela narrativa hegemônica.
Círculo Um – "Estive aqui o tempo todo, mas você não viu”
com Beka Munduruku, Gustavo Caboco e Liberio Boe. Mediação: Naine Terena
Sempre fomos invisíveis ou invisibilizados pela história hegemônica. Negados, silenciados, ocultos, escondidos, renegados. Colocaram-nos onde achavam que deveríamos ficar. Desobedientes que somos, resistimos nas sombras para não deixar que a memória de nosso país caísse no esquecimento. De toda a dor vivida, nossas asas cresceram para alçar voos mais altos. Será isso metamorfose?
Beka Munduruku é comunicadora e cineasta, integrante do Coletivo Audiovisual Munduruku Dake Kapap Eypi, formado por mulheres desse povo (acesse o Instagram do grupo).
A Revista Observatório Itaú Cultural aborda nesta edição o processo de construção de uma metodologia para calcular o PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) no Brasil
Três obras já foram lançadas pela editora, situada em Ubatuba, que trabalha artesanalmente com material coletado; conheça este projeto “Rumos Itaú Cultural”