[Este texto integra uma série de relatos produzidos pela equipe de atendimento educativo do Itaú Cultural (IC). Nestes relatos, cada educador comenta sua experiência relacionada a uma exposição apresentada no IC, destacando três das obras presentes na mostra.]

Por Edinho Santos

Abdias Nascimento teve múltiplas atuações: foi dramaturgo e ator, artista plástico e escritor. Sua trajetória é marcada pela vida artística e pela vida política, e em cada um dos espaços que ocupou fez questão de marcar a sua presença como negro. Neste “Recortes sobre” queremos compartilhar um pouco desses muitos aspectos que fizeram parte da Ocupação Abdias Nascimento (saiba mais no site dessa exposição).

Nascido em Franca, interior de São Paulo, em 1914, quando a abolição da escravidão era recente, os ancestrais próximos de Abdias haviam sido escravizados. Nos anos 1930, o futuro artista e parlamentar integrou as Forças Armadas, onde ficou até 1936, quando foi expulso de uma boate por ser negro, e, após tentar se defender, acabou sendo preso. Ainda nessa época, Abdias participou da Frente Negra Brasileira (FNB).

Mudando-se para o Rio de Janeiro, se aproximou das religiões de matriz africana e passou a frequentar terreiros. O orgulho e as referências à sua religiosidade estariam sempre presentes no seu percurso. Um exemplo disso é o fato de que, mais tarde, ele abriria suas falas políticas saudando os orixás (entidades sagradas nas religiões de matriz africana).

Abdias Nascimento em discurso após a Marcha Zumbi Vive, na Cinelândia, Rio de Janeiro, 1983 (imagem: Elisa Larkin Nascimento)

Em 1943, Abdias cria o Teatro Experimental do Negro (TEN), primeiro grupo de teatro no Brasil a abordar a questão racial desde a formação dos elencos. Do TEN vão participar grandes nomes, como Ruth de Souza, uma das primeiras atrizes negras do Brasil.

A criação desse grupo marca uma época em que a maioria dos atores eram brancos e, quando havia personagens negros numa peça, era feita a prática do black face (rosto negro, em inglês), em que uma pessoa branca pinta o rosto de cor escura. Esta é uma prática que tira a possibilidade de negros ocuparem os palcos e ridiculariza suas características físicas.

Eu entendo a importância da questão da representatividade não só por ser também um homem negro, mas por ser surdo – há uma prática semelhante ao black face que chamamos de deaf face (rosto surdo, em inglês), em que pessoas ouvintes interpretam papéis de pessoas surdas, como se nós não fôssemos capazes disso.

Abdias Nascimento, julho de 1978 (imagem: Elisa Larkin Nascimento)

Abdias acreditava no ativismo pelo pan-africanismo, um movimento de unificação, uma ideia de que os negros de todos os países deveriam lutar contra o preconceito – e seguir o conceito de que se eu sou negro, eu também sou África. Dessa maneira, ele buscava resgatar elementos das tradições africanas e incorporá-los à sua arte, para que tudo aquilo que era usado como forma de desmerecimento por ser da cultura negra pudesse ser revertido em empoderamento do povo negro, buscando a igualdade entre negros e brancos.

No fim dos anos 1960, Abdias passou a se dedicar às artes plásticas. Suas obras são marcadas pelo uso de símbolos africanos chamados adinkra. Trata-se de figuras de animais, plantas e partes do corpo humano ou de formas abstratas, cada qual representando um conceito que faz parte da forma de pensar das culturas africanas. Fazendo brotar nos seus quadros esses símbolos, o artista resgata sua ancestralidade e implica a resistência negra.

Exu-Dambalah, acrílico sobre tela, 51 x 102cm, Búfalo, 1973 (imagem: Ipeafro)

Um dos símbolos adinkra que quero destacar é o sankofa. Ave que voa para a frente e olha para trás, ela traz o significado de aprender com o passado, as raízes e os antepassados, para melhorar o futuro. Este símbolo diz muito sobre o movimento negro: nossos ancestrais foram arrancados de sua terra, e, hoje, nós, descendentes, buscamos nossa origem africana.

A trajetória de Abdias é marcada pela luta pela representatividade, que visava que os negros pudessem ocupar espaços onde não eram aceitos – como o teatro – e que suas tradições e culturas de origem africana fossem reconhecidas no campo artístico. Seu exemplo me mostra que a mudança começa com nossas próprias ações, que somos capazes de mudar os discursos. Por isso, tudo que Abdias ensinou no movimento negro é uma inspiração para a minha vida, inclusive para o movimento surdo.

Sobre mim
Meu nome é Edinho Santos e trabalho como educador no Itaú Cultural há seis anos. Sou pedagogo e poeta, e já participei de vários slams (competições de poesia) em São Paulo, tendo sido destaque em 2017. Amo ter contato com as pessoas e conversar com elas. Sou idealizador de alguns projetos do Itaú Cultural que têm a ver com a questão dos surdos, com a visibilidade dos surdos. Também atuei no filme O Matador.

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