Narrativas é a sétima série produzida aqui no site que destaca produções de artistas presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural (IC). A cada publicação, um escritor é convidado a criar um texto literário inspirado em uma obra do acervo. Nesta edição, escreve Naiade Margonar.
O que me chama a olhar e ver? A rachadura inexistente, a varanda que se torna ponte parede adentro, a porta que alguém poderia abrir e a janela em que alguém poderia se colocar a espiar. Não digo só por mim a vontade de olhar o dentro das janelas. O que pode haver no dentro desta? Um casal que dança na sala ou discute o ponto do espaguete, uma criança que tenta contar pela primeira vez as garatujas da palma da mão, um abajur esquecido aceso (a lâmpada à janela é o olho da casa), três gatos que dormem entrelaçados e por isso não miam, um vaso com terra sem sementes, ou ainda o espaço vazio. A casa com telhado, a casa que não o tem, a casa como universo: quem determina a casa e quem determina o firmamento. A luz não faz nenhum esforço para tocar o que há na fotografia, as pálpebras do fotógrafo estão acordadas e uma tangencia o visor, o reflexo de um não espelho do que há fora, o reflexo do espelho duplo da máquina fotográfica, o que não há e o que há na imagem lúcida que vejo: uma porta e uma janela fechadas como olhos fechados que sonham.
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Naiade Margonar é formada em comunicação social e especialista em história da arte e arquitetura no Brasil. Escreve dedicando-se à relação entre artes visuais, poesia e dramaturgia. No Itaú Cultural (IC), é analista do Acervo.
Marcel Giró Marsal (1912-2011) foi um fotógrafo catalão que se instalou em São Paulo em 1948. Um dos maiores expoentes da fotografia moderna e da chamada Escola Paulista, Giró é também um dos principais representantes da fotografia publicitária brasileira dos anos 1950 a 1970. Saiba mais sobre o artista na Enciclopédia Itaú Cultural de arte e cultura brasileira.