por Milena Buarque Lopes Bandeira

 

No Oiapoque, município que fica no extremo norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, mais de 30 artistas indígenas e não indígenas de todo o Brasil se reuniram para um festival de performance e intervenção urbana. A quarta edição do Corpus Urbis, selecionado pelo Rumos 2017-2018, contou pela primeira vez com uma etapa de residência artística, como forma de estimular a criação e o intercâmbio de ideias entre os participantes.

Em setembro, os oito artistas do Coletivo Tensoativo, de Macapá, levaram o evento para o centro do Oiapoque e para as aldeias Santa Isabel e Espírito Santo, depois de três edições realizadas na capital. “A gente sempre teve o desejo de fazer a residência também. Por inviabilidade financeira, não tínhamos condições de dar conta. Como tivemos essa oportunidade de propor a ideia da residência, pensamos no Oiapoque, um município que não tem muitas alternativas culturais, ainda mais valorizando os artistas indígenas locais. Então a ideia de ir para lá também era de dar visibilidade a essa produção que existe e é potente, mas que não é visível para o resto do país”, conta Cristiana Nogueira, coordenadora do evento.

Ao longo de oito dias de residência, trabalhos e projetos foram nascendo, dando vazão às trocas entre artistas e aos processos de dinâmicas e oficinas. Nos últimos dois dias, no festival, foram apresentadas performances e intervenções urbanas. “Em um muro cedido por uma paróquia e pela Missão nas Fronteiras, artistas indígenas e não indígenas fizeram uma pintura, que fica na rua principal do Oiapoque. Nesses dois dias, foram apresentadas várias performances individuais e coletivas desenvolvidas no período da residência. Tudo foi registrado em vídeo”, diz Cristiana.

O coletivo pretende criar um catálogo dos projetos apresentados e já tem divulgado vídeos e imagens em suas redes sociais.


O festival Corpus Urbis acontece há quatro anos. Como foi esta edição e o que ela teve de diferente das outras?

Sim, é a quarta edição do festival. Ele sempre aconteceu na cidade de Macapá, e a gente sempre teve o desejo de fazer a residência também. Por inviabilidade financeira, não tínhamos condições de dar conta. Como tivemos essa oportunidade de propor a ideia da residência, pensamos no Oiapoque, um município que não tem muitas alternativas culturais, ainda mais valorizando os artistas indígenas locais. Então a ideia de ir para lá também era de dar visibilidade a essa produção que existe e é potente, mas que não é visível para o resto do país. Essa era a possibilidade de transformar o festival numa residência e também envolver artistas que de certa forma ficam produzindo mas não circulam, não tem essa visibilidade maior.


Vocês foram para duas aldeias, não? Como se deu o intercâmbio de artistas de todo o Brasil com outros locais?

A residência e o festival aconteceram na cidade do Oiapoque e nas aldeias de Santa Isabel e Espírito Santo. Antes de irmos para as aldeias, tivemos algumas dinâmicas com os artistas e apresentações. Todos eles passaram pelo processo de apresentar trabalhos e portfólios. Aprendemos com cada um deles. Foram no total dez dias de evento, oito de residência e dois de festival. Alguns trabalhos foram realizados nas aldeias, dentro das oficinas, com crianças e jovens, e foram apresentados no festival na cidade do Oiapoque.


Imagino que tenha sido um processo bem mais intenso neste ano...

Foi bem diferente, uma maneira de conhecer artistas que produzem em diversas linguagens. Foi muito potente sair desse local que é uma cidade com a qual estamos acostumados; a gente vive aqui [em Macapá]. O Oiapoque tem muitas questões e é uma região de fronteira. Ir para a aldeia também é importante para quebrar certas ideias preconcebidas. Foi muito bom. Eu avalio como um processo importante, todo mundo aprendeu muito. E trocamos bastante, até agora estamos tratando de questões que foram reverberando.


Vocês têm mantido contato?

Sim, a gente tem conversado bastante pelas redes sociais, que é um meio rápido e mais democrático, já que algumas aldeias têm internet. A gente está pensando em projetos futuros, outros momentos de encontro e troca, de exposição e exibição de trabalhos que já estão sendo desenvolvidos pós-residência. Isso tem sido muito importante porque não adianta fazer uma edição do evento e não ter esse processo de continuidade.


O que o Coletivo Tensoativo leva da quarta edição do Corpus Urbis?

Muito forte e potente foi a convivência com essa quantidade de crianças e jovens, com todos trocando intensamente, aprendendo muito. Acho que isso foi o mais potente desse processo. Fomos muito bem recebidos nas aldeias e isso trouxe desdobramentos para o festival. A ideia agora é exibir os trabalhos em diversos lugares. O festival foi o momento de reflexão sobre tudo isso; muitos trabalhos acessaram essa relação tanto com o Oiapoque quanto com as aldeias, como a questão do isolamento do município, que é de difícil acesso, por uma estrada que não é totalmente asfaltada. A gente foi numa época de verão, com a estrada ótima e seca. Mas em época de inverno ela fica intransitável. Ou seja, às vezes, o município fica isolado dois ou três dias. E esse isolamento foi sentido mesmo nesse momento, quando a estrada estava boa. Estar tão perto de uma fronteira internacional também é outro elemento. Ter uma colônia francesa do outro lado e ao mesmo tempo não poder acessar. São vários aspectos que dialogaram muito com o processo. E essa era nossa intenção. Não era trazer projetos e trabalhos prontos, desenvolvidos em outros locais. A ideia era criar a partir dessa vivência, dessa experiência. E acho que isso a gente conseguiu.

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